RESENHA LITERÁRIA

 

 

 

 

 

Stolen Lives (Eu, Malika Oufkir, Prisioneira do Rei – Companhia das Letras, 2007) 

Resenha Literária por Mona Gonzalez

https://www.amazon.com/Stolen-Lives-Twenty-Desert-Oprahs/dp/0786886307

Li o livro duas vezes. Na primeira, não consegui escrever a respeito porque foi simplesmente chocante. Na segunda – lido para esta resenha –, descobri novas coisas com as quais me chocar. Vamos conversar sobre sobrecarga de choque.

Malika Oufkir viveu no palácio do Rei do Marrocos dos cinco aos dez anos de idade, antes de voltar a viver com sua própria família. Os Oufkirs foram colocados, de início, sob prisão domiciliar de 1973 a 1977 em uma casa muito longe, a qual não lhes pertencia. Foram punidos por causa de um golpe de estado que fracassou, planejado por seu pai. O General Oufkir foi morto. Na prisão, a família:

  1. Apanhou dos guardas;
  2. Viveu sob os caprichos deles, que a subjugava com incessantes humilhações;
  3. Tinha que limpar suas próprias fezes;
  4. Passava fome com frequência e vivia praticamente à base de sopa infestada de vermes;
  5. Não tinha tempo nem espaço para se exercitar;
  6. Aguentou os verões de 55 °C do deserto na sombra;
  7. Enfrentou tempestades de areia que esmagaram janelas e envolveram seus corpos e rostos;
  8. Morou em uma casa na presença de aranhas grandes e venenosas;
  9. Conviveu com milhares de escorpiões que se instalavam nas paredes, nos lençóis, nas camas e no chão da casa;
  10. Em sua terceira prisão no deserto, viveu por 15 anos em completo isolamento.

Com o passar do tempo, a fraqueza virou uma força formidável, guiando-lhe a um plano e a uma fuga de sucesso. No entanto, todos os membros foram recapturados e colocados em prisão domiciliar em 1987 e libertados junto a outros três prisioneiros políticos em 1991.

Quando foram presos pela primeira vez (em 1972), Malika, com 20 anos, era a mais velha, seguida por seu irmão Raouf, de 18, suas irmãs mais novas, Miryam, de 9, e Soukaina de 8. O mais novo, Abdellatif, tinha 3 anos de idade. Sua mãe, Fatima, estava com 35. Malika escreveu Eu, Malika Oufkir, Prisioneira do Rei, publicado em 1999. Desde então, já publicou um segundo livro, Freedom (ainda sem tradução no Brasil). Mas todos concordam que para gostar do segundo é necessário ter lido o primeiro.

A vida de Malika antes da família ser presa

O pai de Malika era o General Mohammad Oufkir, braço direito do Rei Muhammad V do Marrocos.

  1. O Rei adotou Malika (por meio de uma ordem, não de um pedido) quando ela tinha cinco anos, para que brincasse com sua filha mais nova, Lalla Mina.
  2. No palácio, Oufkir expôs os escravos do Rei (que eu pensei terem partido com a revolução americana). Os filhos dos escravos também só poderiam ser escravos.
  3. Malika passou muito tempo com as mulheres no Harém do Rei. Elas passavam horas se vestindo, se maquiando, cuidando da pele e arrumando o cabelo.
  4. O harém tinha as mulheres mais bonitas das províncias do Marrocos. Quando se instalavam no palácio, as mulheres mais velhas do harém tinham que ensiná-las costumes sociais.

A Princesa Lalla Mina dividia seu quarto com Malika. A Princesa tinha todos os brinquedos que desejava. Lalla Mina também amava cavalos, e Malika, que os odiava, era forçada a aprender equitação. Parecia uma vida charmosa, mas era enclausurada, quase uma prisão.

Malika voltou para sua família aos 15 anos.

Quando o Rei Muhammad V morreu, houve suspeita de que seu filho e herdeiro, Hassan II, teve envolvimento na morte, relatou o New York Times. Mesmo assim, a vida continuou a mesma para Lalla Mina (a irmã mais nova de Hassan II de uma das mulheres do harém) e para Malika.

O harém de Muhammad V permaneceu, mas Hassan II construiu um novo complexo dentro do Palácio para seu póprio harém. Hassan II dava festas de nudez da piscina com a participação de todo o harém. Malika, então com nove anos, se juntava a essas festas na piscina. Ela se recusava a tirar a roupa de baixo, fazendo com que o Rei Hassan II as rasgasse.

Aos 15 anos, Malika pediu para voltar para sua família. Isso porque o Rei havia planejado ou colocá-la em seu harém (o que ela não queria) ou arranjar seu casamento com o filho de um general. Quando voltou para casa, nada disso aconteceu, e ela finalmente pôde experimentar a liberdade e uma vida sofisticada, bem diferente do enclausuramento da vida no Palácio.

Sua mãe frequentemente a levava a Paris para fazer compras nas lojas mais caras. Ela também ia a bares com seus amigos e conhecia a nata da sociedade. Tudo mudou quando seu pai, o General Mohammed Oufkir, tentou dar um golpe de estado que fracassou. Oufkir foi morto no palácio e sua família colocada na prisão.

A família Oufkir na prisão

L-R Abdellatif, Malika, Fatima (a mãe), Raouf, Miryam e Soukaina

De Tentativas de Suicídio Fracassadas a uma Fuga Ousada

Eles viviam em lugares imundos, se alimentavam pouco e quase sempre ficavam doentes sem receber tratamento médico. Miryam, a irmã do meio, era epiléptica. No começo, viviam em uma casa quebrada e imunda, mas estavam juntos, tinham acesso a jornais, livros e rádio. Também recebiam remédio para Miryam.

Mas, conforme passava o tempo, eram levados de prisão a prisão, uma pior que a outra, até ficarem na última onde não podiam se ver e os quartos eram trancados. Fatima, a mãe, dividia seu quarto com Abdellatif, o filho mais novo. Malika dividia com Soukaina e Miryam e Raouf ficava sozinho em seu quarto.

Suas almas estavam tão decadentes, que entraram em greve de fome. Quando Raouf caiu no jardim durante sua caminhada diária, foi largado lá num estado de semicoma. Ele conseguiu ouvir os guardas dizerem que a intenção era que morressem no local. Àquela altura, ele se forçou para se levantar e voltar ao seu quarto.

A família havia criado um método de comunicação, através do qual Raouf revelou a conversa que havia ouvido dos guardas. Então, decidiram fugir. Tinham uma colher, a tampa de uma lata de sardinha e suas mãos. Raouf orientou que cavassem para baixo até que encontrassem argila e, depois, cavassem na horizontal.

Tinham que esconder o buraco da polícia todos os dias, pois era feita uma verificação em seus quartos e pertences regularmente. Algumas vezes, conseguiam cavar além da área da prisão, até que Raouf, Malika, Soukaina e Abdellatif fugiram juntos.

E as histórias chocantes continuaram. Os bons amigos dos Oufkirs se recusaram a ajudá-los ou sequer reconhecê-los. Um estranho, contudo, deu-lhes abrigo pela noite e comida. Quando Malika tirou seu sapato, ele estava preso em seu pé, assim como seu vestido estava preso em sua perna. Ganharam roupas novas.

A ironia da história dos Oufkirs, da maneira que enxergo, é que, apesar de toda a dor que passaram na prisão, incluindo as pestes sazonais – sapos, escorpiões, camundongos, ratos e baratas em tanta quantidade que andavam por seus rostos – todos eles sobreviveram ao seu captor, o Rei Hassan II, que morreu em 23 de julho de 1999.

Onde estão os Oufkirs agora?

Quando os Oufkirs se libertaram e deixaram o Marrocos, partiram para Paris nos anos 90, de acordo com o site da apresentadora Oprah Winfrey, oprah.com.

E o que estão fazendo agora?

Fatima, mãe de Malika e de seus irmãos, continuou sendo muçulmana. Ela viveu sua vida tentando recuperar os bens da família no Marrocos até sua morte, em 15 de dezembro de 2013, na cidade de Casablanca. Nunca conseguiu recuperar nada. Em 17 de dezembro, foram feitas orações para Fatima em uma mesquita de uma pequena cidade (Sidi Allal El Bahraoui), antes de seu enterro no cemitério Sidi Mohamed Ben Abdellah, no Marrocos. Não foi permitida cobertura de imprensa, apesar de todos os apelos de Soukaina, Malika e Raouf, três de seus seis filhos, de acordo com o site marroquino Le 360.

Todos os filhos de Fatima se converteram ao catolicismo romano.

Malika, na data deste texto, tem 67 anos. Em outubro de 1998, ela, então com 45 anos, se casou com o arquiteto Eric Bordreuil. Eles adotaram a filha de dois anos e meio de sua irmã Myriam.

Segundo uma edição da revista feminina The Australian Woman’s Weekly de dezembro de 2001, Malika teve tendência suicída por dois anos. Mas depois ela virou uma celebridade internacional por conta da publicação do livro Stolen Lives: Twenty Years in a Desert Jail. O bestseller do New York Times lhe rendeu um episódio no programa de notícias da TV americana, 60 Minutes special, e uma indicação a Mulher do Ano pela revista Cosmopolitan dos EUA. Mas ela só desisitiu completamente da ideia de suicídio quando Oprah Winfrey lhe disse em seu programa: “Eu queria que você viesse [aqui] para que eu pudesse dizer na frente de milhões de pessoas ‘Você é minha heroína’”.

Naquela mesma matéria, estava escrito que Malika ainda vive com medo, passando a maior parte do tempo em seu pequeno e escuro quarto (igual a uma cela), com medo de ir para fora. Ela dorme com a TV ligada, contrastando com o silêncio supressivo da prisão. Malika escreveu um segundo livro, Freedom: The Story of My Second Life [Liberdade: A História da Minha Segunda Vida, em tradução literal].

Em 2003, Malika e seu marido se mudaram para Miami, na Flórida. Em 2006, a filha adotada do casal tinha 10 anos de idade. Por sete anos, eles tentaram engravidar, mas os médicos disseram que doenças negligenciadas podem causar danos irreparáveis. Em suma, seu tempo na prisão lhe deixou infértil. Ela começou sua “terceira vida” adotando um menino do Marrocos, de acordo com o jornal  Miami New Times. Aguardavam conseguir um visto à criança para que pudessem viver com ela nos Estados Unidos.

Soukaina, na data deste texto, tem 58 anos. Ela escreveu sua autobiografia, La Vie Devant Moi [A vida diante de mim, tradução literal], descrevendo a experiência de sua família na prisão. Após terem sido libertados, Soukaina concluiu o ensino médio com mérito aos 36 anos. É uma aspirante da arte e também pintora, segundo o site oprah.com. Uma matéria de 2012 da Rádio França Internacional (RFI)  disse que ela também aspirava uma carreira como cantora. Suas músicas incluem Il Y A Toi e Cours. Ela compõe suas próprias canções e já fez alguns concertos. Segundo uma matéria do Le Monde, desde que Soukaina chegou à França, ela acorda todo dia surpresa por estar viva. O musicologista Martin Guerpin disse que “Sua grande força está em se dar bem fazendo as pessoas se esquecerem de quem ela é. Nós a escutamos por sua personalidade, pela beleza de sua música, pela poesia extrema de suas letras, não pelo nome Oufkir.

Abdellatif tem 52 anos. Quando a família foi para Paris, ele ficou próximo de sua mãe. Não sabemos se sua vida mudou após a morte dela. O que sabemos é que ele queria ser piloto, mas não tinha dinheiro para praticar. De acordo com o blog oufkir01, ele joga futebol e é apaixonado pelo esporte.  Uma matéria de 2001 mencionou que Abdellatif viveu sozinho em um estúdio em Paris “sem amigos nem perspectiva”. Ele também evitou reuniões familiares, já que as faziam se lembrar de sua vida na prisão.

Raouf é jornalista de um jornal Berbere e fica entre Paris e Rabat, segundo o oprah.com. Ele também escreveu os livros Life Before Me, The Guests: 20 Years in the Prisons of Hassan II, e Why Fundamentalism Threatens Us. Ele também tem dois livros em francês: Kahena, la reine guerrière (Romans historiques) (Edição francesa)  Kahena, la princesse sauvage: L’IMPERATRICE DES SONGES T.1 (Romans historiques) (Edição francesa).

Myriam morou em Paris com seu marido, segundo o oufkir01. Ela estava trabalhando em uma coleção de fotos para ilustrar seus próprios poemas. Ela também é licenciada em psicologia educacional, com especialização em crianças com dificuldades. Tem uma filha que foi adotada por sua irmã Malika, por conta de sua epilepsia e trauma contínuo causado pela prisão de sua família. Às vezes, isso a deixa acamada por dias. Se divorciou e se mudou para a Califórnia, de acordo com o oprah.com.

Eu aprendi muito com este livro e já o li mais de uma vez.  Espero que você adquira uma cópia e o leia também.


Sobre a autora:

Mona Gonzalez. Escritora, educadora e coach. Escreve sobre segurança domiciliar, ambientalismo e desenvolvimento pessoal e social para a Enrich Magazine, por onde já publicou histórias infantis. Colaboradora do Philippine Graphic Magazine Life coach com foco em inteligência social. Também conduz webinários e seminários sobre escrita e crescimento pessoal. Está trabalhando atualmente em um livro sobre ecologia.

https://twitter.com/monnissimma 

website: http://philippineconsumerist.blogspot.com

Escritor de Equipe, http://www.projectarmy.net 

Escritor de Equipe, http://pinay.com

Perfil e amostras de trabalho: http://grandoldlady.hubpages.com/


 

Traduzido do inglês por Gabriela Assis Santos / Revisado por Larissa Dufner