Em 22 de Março, 25 mil cruzes foram espalhadas na praça da Cidade Velha, em Praga, para lembrar os mortos de covid durante um ano de pandemia. A República Checa, que na primeira onda quase não foi afetada pelo vírus, encontra-se atualmente entre os primeiros países em termos de número de infecções e de mortes proporcionalmente à população.
A iniciativa foi lançada pela Associação Cultural “milion chvilek pro demokracii” – um milhão de momentos para a democracia. Os organizadores acreditavam que as cruzes permaneceriam apenas alguns dias, uma vez que a manifestação foi um ato de protesto contra o governo. “A responsabilidade pelas mortes cabe ao governo, que prioriza mais seus negócios que a saúde dos cidadãos”, disse o presidente da Associação, Bemjamin Roll.
Todavia, as coisas evoluíram de forma diferente. Muitas pessoas, de forma totalmente espontânea, se dirigiram à Praça carregando flores, velas e desenhando corações. Ainda hoje, depois de tantos dias, as pessoas vão em peregrinação à praça da Cidade Velha, algumas apenas para observar, outras para acender velas e outras ainda para escrever o nome de seus queridos entes falecidos. A maioria dos desenhos é dedicada aos avós, mas é impressionante que muitas dedicatórias sejam dirigidas aos jovens. É uma iniciativa nascida de forma espontânea e, portanto, não tem o ambiente formal típico de cerimônias institucionais. Visitar a praça é uma experiência muito interessante. Se, no início, a sensação é de estarmos num cemitério, mais tarde nos sentimos envolvidos por uma forte emoção e um forte senso de comoção. Nos escritos, nos desenhos, nas pessoas que acenderam uma vela, no ambiente mágico de uma das praças mais bonitas da Europa, você pode sentir toda a dor da perda. Uma dor, que quase todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já experimentou, mas, acima de tudo, é a grande necessidade de viver junto com os outros o sentimento que prevalece.
Este tem sido um ano intenso, de angústia, controvérsia e discussão, mas também um ano que nos aproximou profundamente, durante o qual entendemos que vivemos a mesma experiência além de distâncias e barreiras culturais. O que aconteceu, e continua a acontecer, diz respeito a todos, não como indivíduos isolados, mas como comunidade. Nessa praça há uma forte necessidade de compartilhar afeto, de se sentir parte da família humana. Esta atmosfera e estes sentimentos contrastam com o que se percebe diariamente, especialmente na frieza dos boletins sobre o Covid ou nas odiosas controvérsias das mídias sociais. Às vezes, parece que fomos anestesiados que acabamos perdendo a capacidade de perceber a experiência interior dos outros, de sentir emoções fortes. Mas, naquela praça, você pode ouvir outras coisas, ecos de uma humanidade redescoberta.
É claro que muitas pessoas se perguntam se este sofrimento pode ser evitado e o que pode ser feito para evitá-lo no futuro. Também impulsionada por estas reflexões, a Associação Mundo sem Guerras e sem Violência lançou uma iniciativa para pedir ao governo que invista na saúde o dinheiro destinado para os gastos militares. “É uma loucura que o gasto militar aumente precisamente em um momento difícil pelo que estamos passando, onde está claro quais são as necessidades reais”, diz Tania Bednarova, presidente da Associação. Na República Checa, e em muitos outros países do mundo, as indústrias bélicas estão entre as poucas que aumentaram o seu volume de negócios. Tania espera que esta iniciativa possa se espalhar por toda a Europa.
Enquanto isso, as pessoas continuam se dirigindo à praça da Cidade Velha para compartilhar sua dor e reforçar esta atmosfera de afeto e reflexão.
Investimos na saúde, não em armas!
Traduzido do Italiano para o português por Mychelle Medeiros / Revisado por Cristiana Gotsis