REFLEXÕES

 

 

Por Daniel Vila-Nova

 

Toda segunda nasce do ventre de uma encruzilhada. Para além dos sentidos místicos e espirituais, em toda encruza nasce uma dupla contingência: uma escolha; e uma abnegação.

Em meio ao pandemônio pandêmico que segue a ceifar vidas aos milhares, a decisão por publicar esta coluna tem esse “quê” de achado, mas também do que fica perdido pelos caminhos e bifurcações.

A senda dos calendários nem sempre é muito segura, mas nos traz alguns indicativos. Em outras culturas e tradições linguísticas nacionais, as “brasileiras” Segundas-Feiras são dedicadas ao nosso único satélite natural: a Lua.

Como é fascinante acompanhar as danças diárias desse corpo celeste que tanto desperta o interesse dos viventes, sejam amantes, sejam agricultores, sejam pescadores, sejam poetas… Aliás, preciso me apresentar: sou Daniel Vila-Nova, um cidadão brasileiro que, para fazer jus à expressão cunhada por Joaquim Maria, se constitui enquanto “poeta de palavras”. A cada semana, assim como as 4 fases lunares, o desejo do colunista que vos escreve — querida leitora, querido leitor e “queride” que lê — é o de provocar.

Não existe solução fora do tumulto. Ou seja: não adianta chegarmos a mais uma segunda e seguirmos sentados diante da pedra que chora na encruza.

Por falar em cruzamentos, na cruz, há muito sobre nós. Num outro 26 de abril — o do ano 1500 —, quando tudo o que aqui está foi chamado de “Terra de Vera Cruz”, rezou-se a chamada “primeira missa”. Não foi a primeira do “Brasil”, porque sequer havia acontecido essa “invenção” — na opinião deste humilde autor, quiçá, a mais fascinante das experiências neste reles planetinha.

“O Brasil tem um grande passado pela frente”, nos diz Millôr com uma ousadia mais universal que os famigerados 521 anos do nosso “descobrimento” — talvez, a maior “Fake news” que já vagou por estas bandas… Esse, o mote que esbarraremos a cada segunda. Para falar desta, Segunda (26), impossível não falar da anterior, o 19 de abril — o vulgo “Dia do Índio”.

Os povos indígenas foram os primeiros povos brasileiros (leia-se “povos”, no plural). São — e continuam sendo — o Brasil antes da invenção da “brasilidade”. Torço para que sobrevivam a tudo o que aí está, assim como o Peri, de Caetano.

Nas línguas que circulavam naquelas então recém “batizadas” terras da “verdadeira cruz”, existiam outras crenças, outras culturas, outros nomes… Todos e todas ignoradas. Milhares de Peris e de Iracemas exterminados…

Isso não é novidade desta Segunda (26 de abril de 2021): os genocidas batem à porta de muitas segundas, por aqui, há muito tempo. E o genocídio insiste em continuar na moda. A “indesejada das gentes” sabe que cada segunda é dia de despedidas. Aliás, esta é a única certeza que se leva de cada passagem.

Do passado remoto para o presente e do Hoje de volta ao passado, mais de três séculos depois do “culto”, um pintor “brasileiro” — porque nascido no então “Império do Brazil”, com “z” — retratou a tal missa. O quadro é um verdadeiro “suco de Brasil”, com “s”. E é uma a figura que ilustra a estreia desta coluna. Nela, veja o lugar dos povos brasileiros nativos. Note onde estão os colonizadores. Há toda uma iconografia política que diz mais que todas estas palavras reunidas em torno desta “Cruz” chamada Segunda…

A expressão indígena para aquelas terras invadidas por portugueses era “Pindorama”. O termo pode ser associado a “região das palmeiras”. É exatamente esse o canto que a “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias exalta.

“Minha terra tem mortes…

Onde cantam?

Cantam o quê mesmo?”

Em tempos tão estranhos e mórbidos, a sensação de exílio nos invade a todos. Vou escrever, agora, o porquê escrevo. Escrevo porque, de outro jeito, não faria sentido algum caminhar por aqui. Cada “folha de papel”, cada “pedacinho de Blog” é uma caverna na qual vou deixando as minhas rupestres marcas. É assim que honro as palmeiras e os sabiás que me enchem de esperança, apesar de tanta angústia.

Este homem-da-caverna, aqui, se escreve com hífen de Vila-Nova. Tem prenome do profeta bíblico que, segundo a narrativa, conviveu com leões em calabouços da política.

A cada segunda, um encontro com um novo leão. Uma nova esfinge a nos desafiar: “decifra-me ou te devoro”. A motivação desta caminhada de palavras por encruzilhadas, pelas encruzas da vida, é, portanto, a de dar algum consolo aos pés que seguem furados e sangrando, diante de tantas pedras e armadilhas pelo caminho.

Com um sinal da cruz, peço bênção a quem for de bênção, permissão a quem nos concede energia e iluminação e, sobretudo, paciência. As segundas costumam ser os dias mais odiados da semana. Por tudo que está escrito acima, é exatamente isso que me move.  Pelo amor das luas que movem as segundas, eis as primeiras andanças deste dândi à deriva.

Dândi-à-Deriva* é o pseudônimo de Daniel Vila-Nova, colunista, às segundas, neste espaço. O autor é  brasiliense (da clara e da gema), poeta de palavras, jurista e professor, com formação em Direito e em Política. Em 2009, publicou, pela LTR Editora, o livro “Rádios Comunitárias, Serviços Públicos e Cidadania: uma nova ótica constitucional para os serviços públicos de (tele)comunicações no Brasil” — fruto de sua dissertação de Mestrado em Direito, Estado e Constituição, pela Universidade de Brasília (UnB). Em 2017, publicou #PoesiaBinária: #Fr4gm3nt0s, pela Editora Cryativa. Neste 2021, defendeu a Tese de Doutorado “Supremologia: o STF nas encruzilhadas da Política & do Direito no Brasil”, pelo Departamento de Ciência Política do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (DCP/ICHF/UFF).