Por Linda Pentz Gunter para Beyond Nuclear International
Muitos anos atrás, no que parece ser outra vida, eu era uma repórter que cobria o esporte tênis, caminhando pelo aeroporto com Martina Navratilova. O aroma de cachorros quentes flutuava pelo ar, a única coisa que nós, enquanto vegetarianas, concordamos que sentíamos falta.
Mas Navratilova era uma vegetariana séria. Eu ainda comia peixe. “Os peixes também tem almas”, ela advertiu-me.
Mais recentemente, Paul Watson do Sea Shepherd e co-fundador do Greenpeace, escreveu: “Frutos do mar são simplesmente uma forma socialmente aceitável de carne de caça.”
Expondo nossa hipocrisia, ele continuou: “Condenamos os africanos por caçar macacos e espécies de mamíferos e pássaros da selva, mas o mundo desenvolvido não acha nada demais rebocar criaturas selvagens magníficas como peixe-espada, atum, linguado, tubarão e salmão para nossas refeições.
“O fato é que o massacre global da vida selvagem marinha é simplesmente o maior massacre de vida selvagem no planeta.”
Como ouvimos outra vez nas notícias recentemente, TEPCO (Companhia de Energia Elétrica de Tóquio, em inglês) e o governo japonês estão mais uma vez preparando-se para “eliminar” 1,25 milhões de toneladas – traduzindo para centenas de milhões de galões – de água radioativa que estão acumulando na usina nuclear de Fukushima Daiichi, despejando-as no Oceano Pacífico.
Eu digo “acumulando” porque esta água, necessária para esfriar constantemente os reatores atingidos que explodiram e derreteram durante e depois de 11 de março de 2011 – e que também corre pelas encostas vizinhas e através do local, captando contaminação radioativa – continuará acumulando. Esta não é uma jogada de uma única vez.
Grupos civis e sindicatos de pescadores têm protestado sobre isso desde que foi discutido pela primeira vez. O despejo real da água sempre parece estar a dois anos de distância, e é sempre usado como ameaça de ser a única “solução”, a qual não é. É, sem dúvida, a solução mais barata, mas não a única opção.
O que perturba a maioria dos manifestantes é que o estrôncio, o césio e o trítio que estarão nessa água radioativa (o trítio não pode ser separado e as autoridades admitiram que até agora não conseguiram remover totalmente estrôncio e césio), irão, através da bioacumulação na cadeia alimentar marinha entrar no fornecimento de alimentos para consumo humano.
É, em nosso mundo antropocêntrico, mais uma vez, tudo sobre como isso vai nos afetar.
“A grandeza de uma nação e seu progresso moral podem ser julgados pela forma como os seus animais são tratados”, escreveu Gandhi. No entanto, quase nunca consideramos isso. Vacas podem ser sagradas na Índia, mas muitos outros animais domésticos lá levam uma vida desesperada de negligência e crueldade. Existem horrendas fazendas industriais e de filhotes nos EUA, exploração de bílis de urso no Vietnã e mercados de animais selvagens na China – o que nos pode ter trazido a Covid-19. Os japoneses ainda caçam baleias. Esses são apenas exemplos. A crueldade contra os animais está em toda parte.
Vacas podem ser sagradas na Índia, mas aquelas próximas de Fukushima não tiveram tanta sorte, e os seres humanos em toda parte maltratam e violentam os animais, tanto selvagens quanto domésticos. (Foto por Ronan Shaw/ Creative Commons)
O pensamento que apenas pergunta “como despejar a água radioativa de Fukushima no mar vai prejudicar a saúde humana?” nos fez chegar onde estamos hoje. Nós somos responsáveis por extinções em massa sem fim. Controlamos o ambiente e habitat de todos os seres vivos e os alteramos imprudente e irresponsavelmente para pior, para os animais que dependem deles. Na realidade, mudamos, sobretudo nosso ambiente para pior para nós mesmos.
Mesmo que nunca comêssemos os peixes que vêm do Pacífico; e mesmo que os peixes e os maiores mamíferos marinhos predadores nunca comessem uns aos outros; contaminar a vida marinha com toxinas radioativas é errado. Nós fizemos isso. Por que despejá-las em criaturas que nunca tiveram nada a ver com sua produção e nunca precisaram ligar uma luz?
Este não é o único caso de total desrespeito pela vida marinha quando se trata de energia nuclear. Ao usar o que é conhecido como o sistema de arrefecimento “aberto” em usinas nucleares costeiras, o custo para a vida marinha é imenso. Bilhões de peixes, alevinos e ovas são atraídos para a usina com água de resfriamento (a taxa da água pode ser tão alta quanto um milhão de galões por minuto) e devidamente pulverizados. Seus “restos” são descartados na outra extremidade como sedimento. Não é necessária licença de pesca. Novas usinas nucleares prometem ser predadores marinhos ainda maiores.
O que fazer com a água radioativa é um dilema científico, mas é também uma questão moral. Como regra geral, é moralmente errado recusar solucionar um problema que nós criamos – neste caso a água radioativa residual resultante da nossa incapacidade em controlar a energia nuclear – e depois, quando se torna totalmente incontrolável, despejá-lo em outros seres vivos. Ponto final.
E, é moralmente errado piorar o problema – ao continuar usando energia nuclear e arriscando mais Fukushimas – ao mesmo tempo produzindo ainda mais resíduos radioativos, e então, não encontrando respostas para a bagunça que fizemos, continuando a sujeitar as vidas de outras pessoas e animais, aos seus riscos.
O que fazer na usina de Fukushima em vez disso? Como escrevemos em um artigo anterior: “De acordo com o Dr. M. V. Ramana, de longe a melhor solução é continuar armazenando a água radioativa, mesmo que isto signifique mover alguns dos tanques estocados para outros locais para abrir espaço para novos na usina nuclear.”
Mas o Japão quer limpar a água contaminada para fora da vista e fora da atenção. Nesse meio tempo, está ocupado se limpando metaforicamente do acidente de Fukushima com uma série de medidas destinadas a realizar as Olimpíadas de Verão lá – adiadas de 2020 mas ainda programadas para este verão – mais palatáveis.
Mas, como os ativistas do movimento Youngsolwara Pacific escreveram nestas páginas também essa semana, “O Oceano Pacífico NÃO é local de despejo do Japão para resíduos nucleares!” Nem nunca deveria ser.
O artigo original pode ser encontrado aqui
Traduzido do inglês para o português por Sarine Schneider / Revisado por Barbara Sena