OPINIÃO

Por Eduardo Alves

No dia 29 de maio de 2021 houve rios de vozes por todo o Brasil. Se encontravam para gritar: “VACINA NO BRAÇO E COMIDA NO PRATO e FORA BOLSONARO!”

Muitas vozes em orquestras de múltiplos tons. Mas tentaram se apropriar da voz como se donos delas fossem. Aí fez todo sentido se lembrar do título da canção de Chico Buarque, lançada em 1981, para descrever como bateram os sentidos desta querela que as pessoas, múltiplas e pujantes estão firmes em sua composição. Não pode haver dono singular.

A chamada “grande imprensa”, essa que lucra com a política do desemprego, genocídio e de imposição da fome, a mesma que paga força de trabalho para produzir matérias que chamam de notícias, achou que poderia, com todo o som retumbante que tomou o país e o mundo no dia 29, calar o dono coletivo da voz. Donas e donos das vozes, milhões de vozes desenhadas, escritas e sonoras, feitas pelas pessoas que vendem a força de trabalho para viver e de multidões que não podem mais vender para o lucro vencer, fizeram os sentidos da grande multidão notar que existem.  Ainda que a UNESCO tenha tomado a iniciativa de colocar para o mundo em 1993 o DIA MUNDIAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA, pela força do lucro,  a liberdade padece.

Um foco imediato para saber que a conhecida “imprensa formal”, essa que hoje vende em papel ou digital, toda ela, no Brasil, é CONCESSÃO do Estado. Uma questão vem como brisa no cérebro: essa grande imprensa é pública, do Estado ou privada? Como assim? E qual o grupo que se arvora “dono da voz” representa os sons da maioria? E mais: o retumbante abalo que movimentou terra e mar no dia 29 sofreu uma tentativa de ser escondido? Ou  esconderam mesmo por medo do trajeto atual que toma o Brasil sem qualquer respingo democrático? São muitas perguntas que precisam ser feitas nesse que não é o “jogo dos 7 erros”. Mas é preciso se perguntar também: quem somos nós nesta confusão imposta? Só para lembrar, que se houver imposição há quem a faz existir e temos também que saber que grupo é esse e que vozes são impulsionadas desse “poder”?

Tentar entender porque os setores da sociedade civil organizados para mais democracia, os que defendem a liberdade de imprensa, não possuem uma voz única e retumbante coletiva chamada de “jornal”. Uma organização de comunicação que unifique as vozes variadas,  mas que nadam nas mesmas ondas,  não existe. No entanto,  os grandes setores, usurpadores do comum, do capital e de muito dinheiro, com grandes propriedades, grande possibilidade de compra da força de trabalho, grandes possibilidades de invenções de mentiras como se fossem verdade, nadam de braçada para ampliar o que não é, e esconder o que está sendo. Nesse contexto há um acordo de ignorância com portas fechadas para estudar, e mentiras com portas abertas para inventar. A verdade é corrompida, escondida, destorcida, manipulada e negada, até não poder mais.

Mas para não poder mais, precisa haver organização suficiente para demonstrar que não há dependência alguma no fazer viver. A vida, em todas as suas dimensões, na comunicação, com acordos e conflitos, depende sim da ação de sujeitos que não possuem o poder. Alterar as condições para o coletivo e fazer com que o COMUM seja, de fato, uma condição para viver e não para explorar você, é um movimento que precisa de muitas escalas de ações.
A cronologia da comunicação é abrangente e longa para um corpo sapiens vivo ter domínio, em sua única existência, de todas as variações.

Desde que sinais, gestos e sons se agruparam em pinturas rupestres cerca de 15 mil anos antes de Cristo na África, a comunicação estava nascendo. As pessoas descobrindo que não estavam sozinhas e ao mesmo tempo construindo quem era cada uma delas, nas singularidades e nas complexidades coletivas, foram investindo em um grande ato coletivo para viver, a comunicação. A humanidade não nasceu se comunicando, mas a comunicação teve lugar central para impor o poder por meio das ideologias ou para enfrentar a ideologia imposta por meio do compromisso com a verdade.

Foto: Roberto Parizotti
Foto: Roberto Parizotti

E assim seguiu o tempo cronológico com grandes criações, frutos da potência humana, que foram apropriadas para a destruição por meio do poder ou para a organização coletiva pelo viver. Telégrafo, prelo, código morse, telefone, cartas, rádio, TV, celular, internet, ou mais mesmo. Desenhos, poesias, análises, mensagens, muitas diferenças sobre o que e como fazer estavam dispostas. Agora os jornais, para além de escritos em papeis,  circulam em todas as telas que se multiplicam e se combinam. Uma grande indústria para produzir, vender e comprar, com poucos para lucrar e muitas pessoas para explorar. O que fazer?

Da nossa parte a escala pode parecer grande, mas o dia 29 já trouxe grandes ensinamentos do passado: a voz pública é coletiva e potente. E olhando para o dia seguinte mais ensinamentos chegam, pois é necessário que se façam ecos e continuidades, multiplicações e criações múltiplas para o bem viver.

Vozes públicas diversas com sons unificados e com COMUM amplificados tomaram as ruas e precisam tomar corpos, dias, lembrança, movimentos e ações. Precisam continuar. O que chama atenção: temos que ter nosso meio de comunicação de massas. Um meio coletivo, que multidão de pessoas possam chamar de seu, e que não tenha dono e não privatize o que pode e deve ser público. Grandes desafios estão colocados para nós, mas o primeiro passo foi dado, pois, a voz comum por liberdade, democracia e bem viver foi iniciada de novo, com mãos dadas em um grande mar de solidariedade.

Vamos fazer acontecer!