OPINIÃO
Por Paolo D’Aprile
Guerra Justa: assim foi chamada a guerra de conquista contra as populações indígenas no início dos anos de 1600, guerra justa. A colonização portuguesa, começada um século antes ao longo da faixa costeira, iniciou a se mover em direção ao interior inexplorado do país. Em busca de novos territórios férteis e, sobretudo, da mão-de-obra para cultivá-los, os colonos e, com eles, os missionários jesuítas, viram-se obrigados a lutar contra a resistência dos índios relutantes em trabalhar como escravos nas plantações de cana de açúcar, a monocultura responsável pelo início dos ciclos econômicos baseados na exploração dos recursos naturais, as matérias-primas: madeira, cana de açúcar, borracha, ouro, ferro, café, cacau, soja.
Os índios resistiram. Eles resistiram culturalmente, recusando-se a se curvar à nova religião, resistiram fisicamente, opondo-se através de sabotagem e resistência passiva ao regime de servidão ao qual foram forçados. Resistência passiva significa deixar-se morrer de tristeza, ou cometer suicídio pelo método tradicional: engolir alguns punhados de terra e areia até sucumbir. Eles resistiram militarmente, através de uma verdadeira guerra de guerrilha, emboscadas e arrastões. Apesar dos decretos papais definirem os índios como seres humanos possuidores de alma e, portanto, merecendo fazer parte do povo de Deus por direito; apesar da lei imperial proibir sua redução à escravidão, na prática a situação era bem diferente.
O custo alto da importação de mão-de-obra africana através da incipiente rota do comércio de escravos tornava muito mais prático a tentativa de convencer as populações nativas a trabalhar nas grandes fazendas: elas foram retiradas da vida nômade, dos costumes bárbaros, foi-lhes oferecida a conversão do corpo através da disciplina dos sentidos, e a salvação da alma através da verdadeira religião. Nada mais poderia ser feito. Mas eles continuaram a recusar, e por sua resistência se tornaram um perigo constante para as fazendas e para a produção agrícola. E assim a guerra, além de ser necessária, tornou-se justa: só neste caso, se justa realmente fosse, seria admissível. Dizem que começou com a execução de dois líderes rebeldes na praça de São Salvador da Bahia de Todos os Santos. Amarrados à boca de um canhão, foi-lhes pedido que beijassem o crucifixo, recusaram.
Brasília, junho de 2021. Em frente ao parlamento, as tropas especiais demonstram mais uma vez toda a sua preparação militar contra os tumultos. Os palácios do poder são invioláveis e devem ser protegidos. Sem qualquer aviso, o ataque começa. São atiradas bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, bastões, escudos, armaduras, fuzis e pistolas. Os feridos são levados em segurança carregados no muque em meio aos gritos das mulheres e ao rugir de vingança dos homens. De rostos e corpos pintados, levantam simbolicamente seus arcos e flechas. Eles vêm de todo o Brasil, da periferia das grandes metrópoles, dos territórios protegidos de Mato Grosso, Pará, Amazônia. Sob o ataque das tropas especiais fazem como sempre fizeram durante quinhentos anos: resistem, com seus corpos, suas canções, sua história, sua dignidade, eles resistem. A nova lei que está sendo votada no parlamento é crucial. O Presidente Bolsonaro, além de manter sua promessa de não demarcar terras indígenas, faz muito mais: após ter desmantelado os órgãos federais de proteção e fiscalização, apresenta o projeto de lei que permite a busca e o uso de recursos naturais “úteis para o desenvolvimento da nação”, mesmo que localizados em territórios indígenas já demarcados. Na prática, a busca de minerais e madeira preciosa, “necessários para o progresso nacional”, a invasão e destruição ambiental dos territórios protegidos habitados pelas populações originais são legalizadas. Os guardiões da floresta continuam a ser considerados como inimigos a serem eliminados. Em frente ao Parlamento, gás lacrimogêneo, balas de borracha e bastões, a Guerra Justa continua a ceifar suas vítimas.