CRÔNICA
Por C. Alfredo Soares
Nos anos 80 eu estudava Comunicação no Rio de Janeiro. Minha rotina era puxada, pois para cursar a faculdade, tinha que descer diariamente de Teresópolis para o Rio. Fora a alteração climática entre uma cidade a 910 metros de altura – com 90km de distância – para uma a beira mar, era difícil acordar por volta da 4:30 da manhã todos os dias, já que a aula começava às 7:15 no Campus da Estácio no Rio Comprido – O pessoal da serra era conhecido como cebola, pois no inverno descíamos cobertos de várias agasalhos pra não congelar de frio antes de chegarmos a cidade maravilhosa.
Por diversas vezes embarquei com temperatura beirando zero grau. Foram 4 anos de um perrengue bom – Mas dentre as minhas lembranças icônicas destaco a figura do “Profeta” Gentileza, que habitava o trecho entre a antiga sede do Jornal do Brasil e a Rodoviária Novo Rio. Gentileza andava sempre de túnica branca e com um “cajado” na mão. Com sua barba longa, ele caminhava lentamente e não vociferava sua fé empunhando microfone ou qualquer tipo de aparato eletrônico, na rotina daqueles que passavam correndo atrás do pão de cada dia.
Quem chegava de manhã tinha pressa. Era descer do ônibus, atravessar a rua e pegar outro até seu destino final. Assim eu também fazia.
Mas o “profeta” urbano expunha seu pensamento nos pilares estáticos dos viadutos do gasômetro e da antiga Perimetral e falava com quem se dispusesse a conversar com ele ou chegasse perto demais dele.
Ainda hoje é possível ler seus “mandamentos” selados naqueles viadutos da região portuária. Todos com uma grafia e cores próprias e peculiares. Gentileza também carregava consigo o que seria seus manuscritos. Diziam dele que fora rico, dono de empresa de ônibus, mas pesquisando soube que desde criança carregava um certo pressentimento que tinha uma missão e, após um
Incêndio num circo em Niterói, assumiu de vez essa persona tão marcante.
Não teria sido uma tragédia pessoal e sim uma coletiva que o moveu a pregação da gentileza.
O tempo urgia e, creio hoje, o “profeta” sabia.
Confesso que me arrependo de nunca ter parado pra conversar com aquele senhor misterioso e respeitado por todos que circulavam pelos arredores da rodoviária. Ao findar a faculdade, depois de algum tempo, soube no noticiário, que aquele homem especial havia morrido. Gentileza não criou ceita, igreja e nem fiéis. Mas conseguiu admiradores da sua missão solitária de converter os tolos em gentis. Sua família, do interior de São Paulo, mantém uma instituição que presta serviços sociais ao necessitados. Gentiliza foi cantado, virou verbete na internet e enredo de escola de samba. Sua semente vingou.
Nos dias atuais seria de grande valia ter alguém como o Gentileza por aqui. Seus pensamentos gravados no concreto se tornaram patrimônio cultural do Rio. Seu maior provérbio – gentileza gera gentileza – virou um mantra carioca.
Tudo que aquele senhor desejava era um pouco de atenção as suas doces palavras que, acreditava, ser de salvação.
Querido Gentileza, quanta bondade a sua em dedicar parte de suas findas horas a tentar nos mostrar que a vida poderia ser melhor se praticássemos um gesto tão simples. Tomara ainda termos tempo pra isso. Estou cético com o que ando assistindo. Tem coisa que a gente se arrepende de não ter feito na vida. Ouvir o próximo e ser gentil pode fazer toda a diferença. Salve os verdadeiros profetas .
Gentileza gera gentileza…sempre!