No dia 6 de agosto, 76 anos atrás, uma única bomba reduziu instantaneamente nossa cidade natal a uma planície queimada. Aquele bombardeio levou incontáveis vítimas inocentes a uma morte cruel e deixou aqueles que conseguiram sobreviver com profundas, duradouras feridas físicas e emocionais devido à radiação, ao medo das consequências e às dificuldades financeiras. Uma sobrevivente que deu à luz a uma menina logo após o bombardeio contou: “Quanto mais os horrores da bomba vêm à tona, e mais eu fico apreensiva com seus efeitos, menos eu me preocupo comigo mesma e mais com a minha criança. Imaginando o que o futuro reserva à minha filha, meu sofrimento aumentou, noite após noite sem dormir.”
“Ninguém jamais deveria sofrer tanto como nós sofremos”. Essas palavras expressam o desejo de sobreviventes que, tendo vivenciado horrores dolorosos demais de se lembrar, foram condenados ao medo, à frustração e à agonia devido ao possível futuro de suas crianças e dos seus próprios corpos contaminados pela radiação. Quando os hibakusha, pessoas afetadas pela explosão, contam suas histórias, eles nos transmitem não apenas o horror e a desumanidade das armas nucleares, mas também um enorme anseio pela paz, resultante de compaixão. Finalmente, após longos 75 anos de atividade contínua, seus pedidos comoveram a comunidade internacional. Esse ano, em 22 de janeiro, o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN) entrou em vigor. Agora cabe aos líderes mundiais apoiar esse tratado, mudando seu foco para uma sociedade verdadeiramente sustentável, livre de armas nucleares.
O novo coronavírus ainda assola o mundo. A comunidade das nações reconhece essa ameaça à humanidade e está tomando providências urgentes para derrotá-lo. As armas nucleares, desenvolvidas para vencer guerras, são ameaças com total poder de aniquilação com as quais certamente podemos acabar, se todas as nações trabalharem juntas. Não é possível haver nenhuma sociedade sustentável quando tais armas estão constantemente prontas para um massacre indiscriminado. A sabedoria conjunta de todos os povos deve ser usada com o intuito de eliminá-las totalmente.
O caminho para a eliminação das armas não será fácil, mas um raio de esperança brilha a partir dos jovens que estão começando a empreender a busca dos hibakusha. Um sobrevivente que testemunhou o inferno naquele dia confia nosso futuro aos jovens com estas palavras: “Comecem aos poucos, mas comecem. Espero que cada um de vocês faça tudo o que estiver ao alcance para promover e manter esse tesouro que chamamos de paz”. Peço a nossos jovens para que mantenham uma inabalável convicção de que as armas nucleares são incompatíveis com as vidas plenas e saudáveis de seus entes queridos. Ainda peço para que compartilhem essa convicção com pessoas ao redor do mundo de maneira persuasiva.
Nunca devemos nos esquecer de que os jovens certamente podem obrigar líderes mundiais a se afastarem da dissuasão nuclear. Três dias após o bombardeio, Hellen Keller visitou Hiroshima, incentivando seus moradores na luta pela recuperação. “Sozinhos fazemos muito pouco. Juntos fazemos muito.” Suas palavras nos fazem lembrar que indivíduos, quando unidos, têm o poder de mudar o mundo. Se a determinação de viver em paz se espalhar pela sociedade civil, as pessoas elegerão líderes que compartilhem dessa determinação. As armas nucleares representam a extrema violência humana. Se a sociedade civil decidir viver sem elas, as portas para um mundo livre de armas nucleares ficarão bem abertas. A cidade de Hiroshima, atingida pela bomba atômica, sempre preservará os fatos do bombardeamento, disseminando-os além das fronteiras e transmitindo-os para o futuro. Com as mais de 8.000 cidades-membro da Rede Prefeitos pela Paz em 165 países e regiões, promoveremos uma “cultura de paz” no âmbito mundial. Em uma cultura global onde a paz é um valor universal, os líderes mundiais terão a coragem de corrigir suas políticas.
Em relação às armas nucleares, dada a incerteza decorrente da pausa nas negociações sobre desarmamento, tenho um pedido urgente a fazer para os líderes mundiais. Chegou a hora de uma profunda mudança tática para sair da dependência das ameaças e partir rumo à segurança baseada na confiança vinda do diálogo. A experiência ensinou a humanidade que ameaçar outros países em defesa própria não beneficia ninguém. Nossos líderes precisam entender que ameaçar rivais com o uso de armas nucleares não alcança nada de valor, mas ter empatia pelo próximo e construir amizades duradouras se relacionam diretamente com o interesse nacional. Para que assim seja, desejo que todos os líderes mundiais visitem Hiroshima e Nagasaki, busquem um entendimento mais profundo sobre os bombardeios, cumpram com a missão de desarmamento do Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares (TNP) e se juntem às discussões voltadas à maximização da efetividade do TPAN.
Com respeito ao governo japonês, clamo por mediações produtivas entre os estados que possuem armas nucleares e os países sem armamentos nucleares. Além do mais, de acordo com a vontade dos hibakusha, solicito a assinatura e a ratificação imediata do TPAN, e então uma participação construtiva na primeira Reunião dos Estados Partes. Cumprir o papel de mediador deve envolver a criação de um ambiente que facilite a recuperação da confiança e segurança internacionais sem depender de armas nucleares. A idade de nossos hibakusha é, em média, de 84 anos. Clamo por uma assistência mais generosa para eles e para todos os outros que sofrem diariamente com os efeitos físicos e emocionais da radiação. Reivindico também um socorro imediato àqueles expostos à chuva negra.
Nessa cerimônia do Memorial da Paz que celebra os 76 anos desde o bombardeio, oferecemos sinceras orações para que as almas das vítimas da bomba atômica descansem em paz. Juntamente com Nagasaki e com pessoas de ideias semelhantes ao redor do mundo, nós nos comprometemos em fazer tudo o que pudermos para abolir as armas nucleares e iluminar o caminho em direção à paz mundial definitiva.
6 de agosto de 2021
MATSUI Kazumi
Prefeito
A cidade de Hiroshima
O artigo original pode ser encontrado aqui
Traduzido do inglês por André Zambolli / Revisado por Graça Pinheiro