CRÔNICA

Por C. Alfredo Soares

 

Não sou nada romântico.  Confesso que tento. Me cobro muito por causa disso. A vida me transformou num homem prático. Vesti essa carapuça pra me proteger. Achava que me fragilizaria sendo alguém sensível. Percebi cedo que se não lutasse arduamente pelos meus objetivos não os alcançaria. Ser romântico talvez expusesse um flanco capaz de facilitar a ação do adversário. Se bem que , na maioria das vezes, eu o desconhecesse.  Confesso que até achei que jamais viveria um amor de verdade. Pensava que só nos filmes da sessão da tarde eles existiam de fato.  Foi com Sidney Poitier, um negro altivo, bonito e elegante que comecei a acreditar que um homem negro, como eu,  era capaz de amar e ser reconhecido pelo seu talento.  Não só isso. Sua fleuma  me assustava, mas, também, induzida a uma elegância não habitual na comunidade negra que me servia de paradigma. Ninguém chegava aos seus pés. Meu pai tinha a mesma altivez. Como faz falta uma referência positiva. Na rua não podíamos mostrar fraqueza, imagina expor sentimentos. Havia os músicos e atores negros românticos, como Nat King Cole,  Ray Charles, Louis Armstrong. No  Brasil tínhamos Antonio Pitanga e sua liberdade cênica, Milton Nascimento despontando, mas Sidney ia além. Parecia um frasco de um bom perfume francês. Daqueles que basta uma gota pra expressar toda sua essência. Bem, ele era tudo que gostaríamos de ser, sem saber como. Apesar de ter a referência, não me transformei num ser romântico do dia pra noite. Nem sei se atingi o nível 1 desse status. Fato é que precisávamos mais das referências do que imaginávamos. Sidney Poitier partiu cumprindo sua missão sem se vangloriar dela, por isso foi tão importante pra tantas gerações de jovens negros. Se tem substituto? Não sei. Fato é que não passou incólume pela vida, como se fosse mais um. São poucos que conseguem decifrar sua   missão em vida. Obrigado mestre. Você foi imprescindível para mostrar a jovens negros, como eu, que tudo era possível, até amar, apesar de tudo que nos acometia e nos acomete ainda hoje. Ao mestre, com amor!