Ensaio: Espécies Ameaçadas
“Os insetos foram os primeiros em praticamente tudo. Primeiros a formar sociedades, a cultivar, a cantar – tudo aquilo que possamos imaginar.” ~Karl Kjer
“Um mundo sem insetos é um mundo no qual não queremos viver.” ~Oliver Milman, autor de ‘The Insect Crisis’
A importância dos insetos
Não é nada fácil amar os insetos. Eles nos picam, pousam em nossos alimentos, devoram a madeira de nossas casas, arruínam plantações em fazendas, e apenas avistar uma barata já é repugnante.
A maioria dos insetos é encontrada nas regiões tropicais, e aqueles menos conhecidos podem ser fascinantes. Por exemplo, um besouro-d’água (Regimbartia attenuata) não morre ao ser engolido por um sapo – ele escapa pela cloaca do predador. Uma espécie de lagarta pode produzir anticongelante para se manter aquecida em baixas temperaturas. As abelhas podem aprender a jogar futebol, a fazer cálculos matemáticos, a reconhecer a aparência umas das outras e algumas ainda são capazes de localizar minas terrestres.
Os insetos também fortalecem quase todos os ecossistemas. Existe um milhão deles catalogados e, possivelmente, cerca de 30 milhões de espécies que ainda não são conhecidas.
Um estudo de 2019 revelou que a taxa de extinção dos insetos é oito vezes mais rápida que a de aves e mamíferos. Atualmente, 40% das espécies já foram dizimadas em escala global.
A boa notícia é que são poucas as espécies consideradas pragas, e, no geral, os insetos nos trazem muito mais benefícios do que malefícios. Sua diversidade é rica e nos fornece combustível criativo. Por exemplo, por que dizemos que um trabalho é “de formiguinha” quando ele é longo e exige esforço e dedicação?
Borboletas na Suécia
Perdemos muitas borboletas. Um estudo realizado na reserva natural de Kullaberg, na Suécia, mostrou que mais de 25% das 600 espécies de borboletas desapareceram nos últimos 50 anos e que, no total, quase metade das espécies foi extinta. Ironicamente, essa perda ocorreu em uma reserva natural.
A história dos insetos
A geração do milênio talvez não se recorde do filme Jurassic Park. Mas, a obra mostra dinossauros sendo recriados a partir de um mosquito que picou dinossauros, ficou preso na seiva e acabou coberto em âmbar. Daquele mosquito, foi extraído o DNA do dinossauro.
Claro que os filmes raramente transmitem a realidade como ela de fato é. No caso, a espécie de mosquito mencionada não se alimentava de sangue. Porém, eles acertaram ao dizer que mosquitos (incluindo os hematófagos, ou “sugadores de sangue”) e dinossauros coexistiram há cerca de 480 milhões de anos.
Os insetos foram os primeiros animais a desenvolverem asas, sendo a capacidade de voo uma resposta ao crescimento das árvores. Por outro lado, os pterossauros – segundo grupo de animais a conquistar os ares – conseguiram esse feito apenas 175 milhões depois.
Hoje, um grande número de insetos ocupa áreas restritas e pequenas devido à degradação de habitats naturais causada pelo ser humano, ao uso excessivo de pesticidas e ao aumento da urbanização. Eles estão cada vez mais vulneráveis ao comportamento e à atividade humanos.
Os insetos sustentam os ecossistemas
Os insetos formam a base biológica para a maioria dos ecossistemas devido a algumas características:
- Polinização: muitos insetos, incluindo moscas e mosquitos, coletam pólen, o qual gruda em seus corpos. Então, eles voam de uma flor para outra em busca de mais néctar. Ao fazê-lo, o pólen é transferido de seus corpos até a parte feminina da nova flor. Aí está, a polinização!
- Dispersão de sementes: vespas, formigas, mariposas e outros insetos se alimentam de sementes. Algumas dessas sementes caem no chão quando os animais estão se alimentando, enquanto outras caem ao serem carregadas para longe da planta‑mãe.
- Manutenção da estrutura e da fertilidade do solo: o artigo científico Role of Arthropods in Maintaining Soil Fertility (O papel dos artrópodes na manutenção da fertilidade do solo), de Thomas W. Culliney, explica como a movimentação de formigas e cupins pelo solo permite a mistura de partículas que estão logo abaixo da superfície com porções orgânicas e minerais. As fezes dos artrópodes de solo são fundamentais para a formação do húmus e de agregados do solo que estabilizam a terra e aumentam a estocagem de nutrientes para uso posterior.
- Ciclagem de nutrientes: animais e plantas se alimentam dos nutrientes presentes no solo, os quais retornam ao ambiente quando esses seres vivos morrem e entram em decomposição.
- Controle populacional de outros organismos: muitos insetos predadores, como joaninhas, percevejos e moscas-das-flores, controlam as populações de outros insetos. Algumas espécies de ácaros também predam insetos, como acontece com alguns parasitas em sua fase imatura, quando, conforme crescem, alimentam-se de um único inseto hospedeiro.
Onde há teia alimentar, há insetos, seja em água doce, seja em terra. Os insetos são os arquitetos dos ecossistemas, portanto, definitivamente estarão presentes.
Como presas, os insetos nos possibilitam ter uma alimentação saudável. Por exemplo, muitos peixes se alimentam de larvas de insetos aquáticos, assim se proliferam. Esse é o caso das trutas, peixes dulcícolas altamente nutritivos que se alimentam de efemerópteros (uma ordem de insetos quase que estritamente aquáticos, assim como as libélulas). Já os salmões juvenis, além de efemerópteros, predam tricópteros (ordem de insetos que lembram fisicamente pequenas mariposas, mas cuja fase imatura é aquática), besouros, dentre outros.
A vida sem os insetos?
Sendo amados ou odiados, é fato que os insetos têm um papel a cumprir e a história nos ensinou que, caso sejam impedidos de realizarem seus trabalhos, as consequências serão graves.
Em 1788, os britânicos introduziram gado na Austrália. Anualmente, uma única vaca defeca o equivalente para preencher uma área de cinco quadras de tênis. Mas isso não é perceptível, graças aos besouros-do-esterco, que decompõem essas fezes.
Contudo, não havia besouros-do-esterco na Austrália e, por volta de 1960, as fezes do gado cobriam 500.000 acres de pasto. Como consequência, as plantas, cobertas por nitrogênio, não cresciam.
Sem os insetos, não haveria amêndoa, maçã, banana, mirtilo, castanha, coco, chocolate, café, entre outros. Frutas como manga, mamão e melão desapareceriam, assim como vegetais como alfafa e coentro. Os insetos polinizam muitas frutas, flores e vegetais. Eles ainda produzem cera, seda, mel etc.
Insetos predadores e parasitas frequentemente atacam animais ou plantas que são considerados pragas aos humanos. Dessa maneira, executam um controle de pragas, sejam elas outros insetos ou ervas daninhas, mantendo-as em um nível tolerável e pastoreando o equilíbrio da natureza.
Sem os insetos, não haveria desertos, terras férteis nem florestas. Ao contrário, seria tamanha a quantidade de carcaças que os urubus não dariam conta. Geralmente, a maior parte do trabalho é feita pelas mais de 500 espécies de insetos necrófagos (“comedores de carniça”) existentes no planeta.
A estética que conhecemos seria muito diferente sem os insetos. Imagine um mundo sem borboletas. Além do mais, os povos nativos dos Estados Unidos usavam partes de besouros para enfeitar seus ornamentos. As asas coloridas e brilhantes dos besouros também eram usadas pelo povo indígena Jivaro, no Equador, em seus brincos. O escaravelho era o símbolo do Deus Sol para os egípcios. As moedas na Grécia Antiga eram decoradas com abelhas. E ainda muitos selos postais retratam insetos.
Os insetos e a economia humana
Fazendeiros e pessoas das indústrias de jardinagem e/ou alimentícia devem muito aos insetos pela polinização de nossas colheitas. Eles ainda decompõem matéria morta, possibilitando a reciclagem de nutrientes e também nos fornecem recursos para serem cultivados, além de eles próprios serem fontes de alimento para peixes, aves e outros animais. Algumas pessoas adoram comer insetos.
Os insetos ajudam na produção de seda, fibra, mel, pólen, própolis, geleia real e cera de abelha, sendo esta última utilizada como conservante, agente aglutinante e espessante em cosméticos. A cera de abelha absoluta adiciona fragrância a perfumes e sabões.
Contudo, nem todos os insetos são santos. Alguns são pestes que invadem nossas casas, causam estragos em colheitas e tornam-se vetores de doenças. Mas, considerando a totalidade de populações de espécies de insetos, eles se encontram em números baixos. Existem insetos predadores de insetos considerados pragas que controlam essas populações indesejadas. Nós apenas devemos desenvolver habilidades de manejo de pragas, assim seremos capazes de respeitar seus espaços e eles respeitarão o nosso.
Os insetos e a indústria alimentícia estão intimamente conectados, uma vez que esses animais controlam as populações de outros organismos, permitem a ciclagem de nutrientes, dispersam sementes, melhoram a fertilidade e mantêm a estrutura do solo, polinizam plantas, e são uma importante fonte de alimento.
A era do novo ser humano
Os insetos vêm se adaptando às mudanças ambientais desde o período Jurássico, mas, hoje, vivemos no Antropoceno (Anthropo, de “humano,” e ceno, de “novo”), caracterizado pelas extinções de espécies animais e vegetais, oceanos poluídos, atmosfera alterada e mudança climática no mundo todo – e tudo fruto da ação humana.
As perdas de insetos
Ter uma noção completa do que pode ocorrer com a extinção dos insetos é complicado. Enquanto muitas espécies continuam a desaparecer, outros insetos aumentam em número e em alcance, como é o caso dos mosquitos comuns. Isso aumenta para até um bilhão o número de pessoas ameaçadas por doenças transmitidas por alguns mosquitos – dengue, elefantíase, encefalite, malária e outras.
A maioria das pessoas se questiona sobre o direito à vida dos mosquitos. Mas eles têm um ponto positivo. Em um jardim, eles são presas de milhares de animais, incluindo aves, morcegos, libélulas e sapos. No mais, sangue humano não representa o alimento ideal para esses insetos, que preferem consumir o sangue de aves, vacas e cavalos.
A maior responsável pela perda de insetos é a destruição do habitat. Um terço de todas as florestas do mundo foi devastada pela industrialização, o que não é nada atrativo para insetos florestais.
Devemos culpar os pesticidas também. Os neonicotinoides – substitutos do banido DDT – foram usados por fazendeiros para controlar pragas sem prejudicar os insetos benéficos que se alimentam dessas pragas. Porém, sua composição química é 7 mil vezes mais tóxica para as abelhas.
Se perdermos insetos, poderemos perder também potenciais remédios que melhorariam nossa resistência antibiótica. Sem os insetos, ecossistemas inteiros entrariam em colapso.
Nós perdemos insetos porque seres humanos degradam ecossistemas de forma irreparável. Por onde o ser humano passa, deixa um rastro de poluição, de superexploração, de introdução de espécies exóticas e de mudança climática.
Quando perdemos criaturas que habitam um ecossistema, também se vão suas histórias, suas contribuições a esse ecossistema e seus modos de interação, tanto de uns com os outros quanto com o ambiente. Perdemos seus serviços à humanidade, insubstituíveis. Precisamos dos insetos tanto – se não mais – quanto as florestas precisam deles.
Em vez de destruí-los, devemos controlar as pragas. Em vez de eliminar todas, devemos mantê-las a níveis nos quais elas causem pouco ou nenhum dano.
Para isso, podemos utilizar uma abordagem ecológica. É necessário que continuemos a estudar as espécies de insetos para elaborar uma estratégia multifacetada que nos permita alcançar manejos e controles eficazes e duradouros. Controles químicos podem ser balanceados com métodos não químicos. Saneamento pode limpar os locais onde as pragas se acumulam. Estratégias de exclusão podem minimizar a reintrodução de pragas.
Humanos vs. pragas
Durante as restrições em decorrência da pandemia da covid-19, o fato de as pessoas permanecerem dentro de suas casas possibilitou o retorno de insetos a vários países. Com a grama não sendo cortada, plantas estranhas desaparecidas por anos emergiram. Esse ressurgimento atraiu os insetos de volta, seguidos pelas aves. Lição aprendida: miniecossistemas se formarão caso nós “abandonemos” nossos jardins, deixemos terrenos baldios em paz e, de modo geral, sigamos um plano de inação. Se você quiser que os insetos voltem, não rastele suas folhas, não use inseticidas e não corte muito sua grama.
No que diz respeito à agricultura, uma mudança mais sistemática é necessária. O estudo “Impacts of Wildflower Interventions on Beneficial Insects in Fruit Crops: A Review” (Os impactos das intervenções com flores silvestres em insetos benéficos em colheitas de frutas: uma revisão), de Michelle T. Fountain, explica como o crescimento de flores silvestres dentro das plantações atrai insetos que auxiliam no crescimento das frutas, seja em árvores, arbustos ou cipós.
Os ecossistemas e a humanidade são extremamente dependentes da diversidade de insetos. A presença desses insetos é crucial para nossos filhos, netos e outros que virão em gerações futuras.
Nós enfrentamos um desafio enorme: conservar os insetos e aumentar seu número, já que sua biodiversidade é essencial e insubstituível. Mais de 15 mil cientistas afirmam que as pessoas estão “explorando os ecossistemas da Terra além de suas capacidades de sustentar a teia da vida”.
O declínio das populações de insetos no âmbito global é o que gera preocupação. Eles citam que precisamos entender o que causa as extinções de insetos, as consequências de perdê-los, e como essas extinções impactam negativamente na humanidade. É indispensável que as pessoas busquem aprimorar seu conhecimento, para assim podermos reduzir a extinção dos insetos.
A ironia é que os insetos são ignorados por serem pequenos. Milman cita um cientista que diz: “É um pesquisador estudando 50 mil insetos e 50 mil pesquisadores estudando um macaco”.
É triste que esse desequilíbrio prevaleça no mundo científico. Esperemos que, um dia, as pessoas se levantem da cama não para cheirar as flores, mas para ouvir o canto das cigarras, dos gafanhotos, das esperanças e dos grilos; que, até lá, as pessoas aprendam qual é o papel dos insetos nesse mundo; que sejam gratas a eles e que também os protejam, pois cada pequeno ser pode nos salvar.
Traduzido do inglês por André Zambolli /Revisado por Graça Pinheiro