Passaram-se seis anos. Eu havia escrito uma carta aberta para um amigo muito querido que estava morrendo. Mantínhamos, entre todos, esse vínculo inconfesso com o impossível, que nos permite – ou nos obriga – aferrarmo-nos à esperança como único antídoto contra a tristeza irreversível. Mantínhamos o anseio incerto da vida, até que, naquela noite de 31 de março de 2015, Carlos Gaviria deixou sua pele, e ficou para sempre na consciência crítica, no coração da democracia, na dor crônica da Colômbia.
A sabedoria de Gaviria era como o mar: inesgotável, intensa e profunda. Nela cabiam essas criaturas engendradas pela filosofia, pela poesia, pela ética e pela estética; pela razão e pela justiça; pela autonomia, pela liberdade e pela reflexão independente.
Ele era o jurista mais lúcido da Colômbia. O juiz das sentenças polêmicas sobre os extremos da vida, as diferentes formas de amar e constituir família, a necessidade de tomar decisões com autonomia; defendeu os direitos humanos e a relação inevitável entre responsabilidade e livre arbítrio.
Gaviria era desses Mestres que a Colômbia vai precisar sempre: para desarmar os espíritos e armar a razão de argumentos; para explicar o porquê das coisas, não tolerar autoritarismos e combater o dogmatismo com lógica e a solidão com ternura. Para oxigenar a cultura dos indivíduos e dos povos, e aprender a valorizar a divergência como ferramenta de crescimento do plural, do complexo e do humano.
Quantas horas de aula ele me deu sem que eu estivesse matriculada em suas cátedras! E é porque tudo nele era uma lição: uma lição de vida, de amor pela democracia, pelos valores irrenunciáveis, pela decência assimilada. Ele queria fazer “um país sem medo”, um país sem cidadãos de primeira e quinta categorias, um país onde pensar diferente não significasse pagar com a vida e onde a violência não fosse o pão nosso de cada dia. Um país em que as balas perdidas não terminassem nos corpos de crianças, e que os sonhos e brincadeiras fossem possíveis, sem ordens vindas de cima nem cronômetros inapeláveis.
Ele fez o que pôde para dar dignidade à justiça, para inculcar em nós o respeito à diferença e o valor da palavra. Por onde passava, o ar se transformava em sala de aula e a mesa mais simples virava livro, caderno e lousa.
Gaviria é dessas luzes que nunca deveriam se apagar, e hoje, seis anos depois da sua viagem ao infinito, ainda não descobri o que fazer com todas as perguntas que eu precisava lhe fazer. Ele, que sempre quis nos salvar da mediocridade, da ignorância disfarçada de autoridade e da vaidade dos insípidos, o que será que pensaria desse governo que sequer pode ser chamado de decadente, já nunca esteve bem? O que sentiria ao ver as farsas envoltas em faixa presidencial e os atentados contra a democracia, orquestrados no desconjuntado conclave do poder?
Gaviria partiu sem ver finalizados os diálogos de Havana. Como ele quis que alcançássemos uma paz total e concertada! E sim, Mestre, o Acordo foi firmado graças a homens e mulheres corajosos, persistentes e contestadores, que o tornaram possível. Mas, sabe, para os que gostam de desavenças, a paz lhes gera mais medo do que a guerra, e a estão bombardeando como se a concórdia – e não a violência – fosse o inimigo.
Enquanto escrevo, acompanham-me, como se viessem de outro céu, as notas de “Yesterday”… não é coincidência: é que o senhor, eterno amigo, sempre será para mim a expressão mais próxima e palpável da nostalgia.
Traduzido do espanhol por Nathália Cardoso / Revisado por Graça Pinheiro