NÃO-VIOLÊNCIA

 

 

Por Cristiane Prudenciano

 

 

Vivemos em uma sociedade em crise, repleta de desigualdades sociais – que ficaram escancaradas durante a pandemia – com predominante concentração de renda em grupos de interesses particulares que tem perseguido e atingido, com a propagação de seus preconceitos às mulheres, aos negros, aos nordestinos, aos povos indígenas, aos homossexuais, às pessoas trans e aos pobres de maneira geral. Tais interesses são de poucas famílias que concentram as riquezas do mundo e vivem da especulação financeira, manipulando a mídia e influenciando a política para alcançarem seus próprios benefícios.

Os homens negros morrem mais, vítimas das mais variadas formas de violência e têm os piores postos de emprego. As mulheres negras ainda são as que ocupam as atividades laborais menos remuneradas, de menor status social. Vivemos em um país multicultural e as crenças religiosas fazem parte da nossa bagagem cultural. Mas, ainda assim, muitos casos de intolerância religiosa acontecem com frequência no Brasil. As religiões de matriz africana, como candomblé, umbanda, quimbanda, entre outras, acabam sendo os principais alvos dos intolerantes. 

Atitudes intolerantes também se manifestam por aquelas pessoas que não aceitam a convivência com diferentes culturas, manifestando agressividade e violência, tanto física como verbal. A xenofobia, esse sentimento de antipatia ou repulsa por estrangeiros, em muitos casos pode resultar em situações de extrema violência contra essas pessoas.

Há um caminho a ser construído para transformar a situação atual dos acontecimentos. Esse caminho nos exige alguns esforços. O principal é construção da coerência pessoal. Ou seja, intencionar coincidir a ação que fazemos no mundo com aquilo que pensamos e sentimos. Através dele é possível gerar uma grande mudança. Pensar, sentir e agir numa mesma direção, gerando uma relação coerente consigo mesmo, afastando a violência e a contradição, tornando a liberdade de escolha uma como prática. Além disso, o caminho vai na direção de aprender a tratar o outro como gostaria de ser tratado, construindo uma relação verdadeira com os demais, não reproduzindo a cultura da violência, do desrespeito ao diferente, da falsidade e da desconfiança.

Para a construção de uma cultura baseada na não violência, é necessário aprender a respeitar a diversidade humana e os direitos humanos. Gostaria de citar um trecho do livro Cartas a meus amigos de Silo, que em sua nona carta diz: A luta pelo estabelecimento de uma nação humana universal é também a luta, a partir de cada cultura, pela vigência de direitos humanos cada vez mais precisos. Se, numa dada cultura, de repente se ignora o direito à vida plena e à liberdade, pondo acima do ser humano outros valores, é porque ali algo se desviou, algo está em divergência com o destino comum e, então, a expressão dessa cultura nesse ponto preciso deve ser claramente repudiada. É certo que contamos com formulações imperfeitas dos direitos humanos, mas por agora é o único que temos nas nossas mãos para defender e aperfeiçoar. A luta pela plena vigência dos direitos humanos leva, necessariamente, ao questionamento dos poderes atuais orientando a ação para a substituição destes pelos poderes de uma nova sociedade humana.

Criar espaços não violentos corresponde à formação de âmbitos de estudos e reflexão, espaços de compartilhamento, de meditação, trocas sobre temas existenciais, de contato com nossa ancestralidade, espaços de planejamento de ações coletivas que busquem a fortalecimento dos participantes, através de ensinamentos que levam ao bom conhecimento. O bom conhecimento é aquele que afasta a violência, que contribui com a construção de relações verdadeiras, baseadas em afeto, na alegria e na partilha, resgatando a confiança no outro e em nós mesmos. O bom conhecimento leva a justiça, leva a reconciliação e leva também a decifrar o Sagrado na profundidade da consciência. 

Tais espaços e âmbitos de troca buscam a conexão com o humano que há nas pessoas, respeitando a diversidade e a espiritualidade. Esse caminho, essa direção e essa construção contribuirão para o aprofundamento da não violência para seu desenvolvimento enquanto cultura em prol do bem comum.

(*) Encontro ocorrido em 06 de junho de 2021. Organizado pelo Parque de Estudo e Reflexão Caucaia, Cotia/SP, com a participação organizações e representações das secretarias da cultura e educação do município.

Cristiane Prudenciano, mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP.  Membro do NIP PUC/SP (Núcleo Inanna de Pesquisa) sobre teorias de gênero, sexualidades e diferenças. Pratica e difunde a meditação da Mensagem de Silo. Professora nos cursos de Administração, Direitos Humanos, Cultura de Paz e Não-Violência. Escreve para a Agência Pressenza.