A iconografia oficial retrata-o com sua fálica espada em riste, num imponente cavalo rodeado pelos seus generais: é o famoso ‘Grito do Ipiranga’, quando o futuro imperador, D. Pedro I, à beira do miserável córrego Ipiranga, desafia o poder central com o brado retumbante: Independência ou morte! A imagem está em todos os livros de história, mas eles, sabemos disso muito bem, desfiguram ou manipulam a verdade dos fatos. Dom Pedro chegava a São Paulo vindo de Santos. Naquela época a estrada era pouco mais do que um caminho trilhado sobre as antigas rotas indígenas. Era uma subida íngreme terrivelmente escorregadia através da floresta tropical, empesteada de mosquitos do tamanho de morcegos e cobras venenosas, passando por precipícios de fim de mundo e quedas d’água vertiginosas. Era uma viagem de cem quilómetros que durava três, quatro ou cinco dias, dependendo do grupo. E certamente não a cavalo, mas a lombo de mulo. Claramente, a trilha não podia ser feita de uniforme, com medalhas no peito e chapéu imperial na cabeça, como a famosa pintura quer nos fazer acreditar. Em suma, o gesto inicial da independência brasileira pode ter sido sim o grito de Independência ou morte, mas foi certamente proferido por um homem muito cansado, suado e malcheiroso, acompanhado por uma corte de servos e escravos, e sobretudo, nas costas de uma simpática, mas indecorosa mula. Nada de generais, uniformes brancos e espadas reluzentes. No máximo, o cajado de um peregrino. Assim, o mito fundador transformou-se de Farsa (a pintura de Pedro Américo) em História.
Desde então, o Dia da Independência tem sido comemorado nessa data. Foi a 7 de setembro 18… mas não importa. O importante é o que irá acontecer a 7 de setembro de 2021. As ameaças de Bolsonaro à ordem democrática são tais que a embaixada dos EUA emitiu uma declaração alertando os cidadãos americanos para o perigo iminente de confrontos. A data comemorativa será utilizada para mobilizar a população e as forças de segurança contra as instituições democráticas, principalmente o Supremo Tribunal Federal, cujos membros foram individual e fisicamente ameaçados várias vezes pelo próprio presidente ou pelos seus.
Bolsonaro tem uma forte penetração nas estruturas da polícia militar dos estados. Alguns comandantes convocaram tropas para participar às manifestações, quebrando a linha hierárquica que os submetes às ordens dos governadores, assim como manda a Constituição.
Nesta data, há quase trinta anos, o “Grito dos Excluídos” tem sido realizado em todo o Brasil, uma grande manifestação organizada por movimentos sociais, os sem teto, os sem-terra, os jovens, os estudantes, os trabalhadores desempregados, os índios, as favelas, os condenados da Terra. Este ano é o próprio presidente a organizar o motim da polícia militar, ameaçando os membros do Supremo Tribunal e anunciando um golpe de Estado.
A manifestação do Grito dos Excluídos foi confirmada. A embaixada americana adverte os seus cidadãos do perigo, como em Cabul. O presidente, sempre em busca de aplausos fáceis para os bovinos, vem a público e diz: No meu futuro há três possibilidades: a morte, a prisão, ou a vitória!
Tentaram nos matar através da gestão da pandemia que deixou seiscentos mil cadáveres expostos; no dia 7 de setembro podem atirar contra nós. O então candidato presidencial, Bolsonaro, certa vez anunciou num comício para seu grupo de fanáticos: vamos metralhar a petralhada.
Dizem que quando a história se repete, torna-se farsa. No Brasil, no entanto, a sucessão eterna de Farsas sempre se repetiu como História.
Desta vez, contradizendo as minhas declarações feitas nestas páginas, negando todos os princípios de segurança, também eu estarei na praça. Talvez eles atirem contra mim. Talvez joguem bombas de gás em mim, talvez seja preso, torturado, morto, talvez desapareçam com meu cadáver para que eu me torne um mártir da resistência. Ou, ao invés disso, a de 7 de setembro seja a costumeira manifestação democrática inofensiva com famílias, sogras, crianças e cartazes coloridos. Prisioneiros da Farsa, esperamos que a História seja feita. Gente, quero todo mundo lá!
Paolo D´Aprile.