Por Ozair Islam
Os Estados Unidos da América (EUA) são popularmente conhecidos como os ‘Campeões da Democracia e dos Direitos Humanos’. Mas, desde às duas últimas décadas, em sua jornada para uma sociedade multicultural, os EUA enfrentam vários problemas internos relacionados aos direitos humanos, como crimes de ódio, racismo estrutural e execuções extrajudiciais nas mãos de suas agências de aplicação da lei. Várias estatísticas mostram que a violência armada, incluindo crimes de ódio, execuções extrajudiciais e violência policial, têm ocorrido diariamente, em ritmo alarmante, e que existe uma exploração sistêmica dos direitos humanos. Ademais, o governo também falha em introduzir ou iniciar políticas efetivas e, no caso das execuções extrajudiciais, reina uma cultura da impunidade. Parece que o campeão não tem feito o dever de casa ultimamente.
Execuções extrajudiciais: Cultura da impunidade
Em maio de 2020, em meio à pandemia, irromperam protestos quando agentes de segurança mataram George Floyd, um negro estadunidense. As manifestações cresceram com rapidez e se transformaram no movimento em curso popularmente conhecido como “Vidas Negras Importam”. Mais tarde, os perpetradores, o policial Chauvin e seus comparsas foram presos, e um julgamento está em processo. Como Floyd, outro negro estadunidense, Breonna Taylor, sofreu o mesmo quando foi baleada oito vezes pelas forças policiais durante uma operação mal executada. Desde então, Floyd e Taylor se tornaram o rosto da violência racial e das execuções extrajudiciais. Mas nem todas as vítimas receberam a mesma atenção da mídia. Segundo o relatório do Centro de Justiça e Responsabilidade (Centre for Justice and Accountability, no inglês), somente nos primeiros oito meses de 2020, a polícia matou 164 negros nos EUA.
Entretanto, conforme as estatísticas do Mapeando a Violência Policial (Mapping the Police Violence, MPV), “os negros constituem 28% do total das pessoas mortas pela polícia em 2020, apesar de constituírem somente 13% do total da população.” Além disso, segundo o MPV de 2020, 1120 pessoas foram mortas pela polícia, e somente 16 casos foram registrados contra os policiais responsáveis. Desse total de mortos, 81 pessoas estavam desarmadas. Curiosamente, 56 pessoas foram mortas por disparos a veículos em movimento, uma prática que deveria ser banida, conforme o mesmo relatório.
No entanto, as mortes também revelam uma cultura de impunidade e uma falta de responsabilização. Segundo as estatísticas do MPV de 2013–2020, em 98% dos casos, nenhum policial foi acusado criminalmente. Como resultado, as lideranças responsáveis conseguem um passe livre, se livrando dos crimes.
Crimes de Ódio e Racismo Estrutural
A sociedade estadunidense também revela elementos de crimes de ódio e de racismo estrutural. Há uma sobreposição desses problemas. Crimes de ódio, incluindo tiroteios em massa e crimes direcionados às minorias, acontecem diariamente. Conforme o relatório do Departamento de Justiça dos EUA, em 2020, 7557 casos motivados por um tipo de preconceito foram registrados, incluindo 10.528 vítimas. Esse relatório também demonstra que 61,9% dos casos tiveram motivações raciais, 20,5% foram motivados pela orientação sexual e 13,4% tiveram motivações religiosas. Ademais, segundo a Al-Jazeera, o número de crimes de ódio em 2020 é o maior nos últimos 20 anos e registrou um aumento de 6% em relação ao ano anterior. Parece que, dia após dia, tais ocorrências estão aumentando e tornando a população minoritária mais vulnerável. Com o advento das políticas de extrema-direita, do ressurgimento dos neonazis, da xenofobia e o aumento dos crimes de ódio, a condição dos direitos humanos enfrenta a séria ameaça de uma deterioração ainda maior.
Por outro lado, outro importante aspecto é a ameaça crescente dos tiroteios em massa, que se tornaram um evento recorrente nos EUA. Um dia sem violência armada é algo raro. Em 24 de setembro, segundo o relatório USA Today, houve um tiroteio em massa no Tenessi que matou 2 pessoas e feriu outras 12. O incidente aconteceu em uma mercearia. Contudo, o mesmo relatório também mostra que, seis meses atrás, o estado do Colorado foi palco de outro tiroteio, que matou ao menos 10 pessoas. Até mesmo espaços públicos, como escolas e igrejas, também estão sob constante ameaça de violência armada.
Entretanto, pelo aumento da violência, grupos de direitos humanos estão atribuindo a culpa ao governo. Segundo a Anistia Internacional, a Doutrina do Castelo e as leis ‘Defenda seu Território’ deterioram o cenário. Talvez, o governo esteja realizando um papel inativo e apaziguador. Além disso, conforme o relatório do Global Times, 23 milhões de armas foram vendidas nos EUA somente em 2020. Vale mencionar também que, em meio à pandemia, o governo estadunidense listou as lojas de armas como serviço essencial.
Além dos crimes de ódio, o racismo estrutural também pode ser encontrado nas decisões governamentais. De acordo com a Human Rights Watch, existe um policiamento agressivo nas comunidades menores e mais pobres. É também de conhecimento público que o padrão de prisões sugere que as pessoas negras sejam mais suscetíveis a ser presas pela polícia.
Em suma, parece que desde o 9/11, as execuções extrajudiciais e os crimes de ódio estão aumentando dia após dia nos EUA. A cultura existente de impunidade e de inatividade governamental permite que os perpetradores continuem com os crimes, tornando as minorias e a população pobre mais vulneráveis do que nunca. Em um contexto global, os EUA são defensores dos direitos humanos, mas não estão, visivelmente, fazendo o seu dever de casa. Para defender valores globais e garantir tais direitos, o governo estadunidense deve primeiramente melhorar suas condições domésticas.
Sobre o escritor:
Ozair Islam, analista de política externa e de assuntos estratégicos, trabalha atualmente como consultor de uma ONG de Bangladesh. Ele pode ser contatado em ozairislam80@gmail.com
Traduzido do inglês por Edmundo Dantez / Revisado por Felipe Balduino