Durante muito tempo nosso processo educacional se manteve preso a uma visão branca, judaico-cristã e eurocêntrica, que contribui sobremaneira para a manutenção do racismo estrutural que vivemos até hoje. Não é que a educação tenha sido transformada, mas hoje já é possível encontrar produções de conhecimento feitas por negras e negros circulando por escolas e universidades, ainda que em proporções muito menores do que aquelas feitas por pessoas brancas. Em muitas salas de aulas já é possível visualizar o que podemos chamar de subversão epistêmica, ou o conhecimento sob o ponto de vista não branco.
Apesar de todas as dificuldades que o racismo estrutural nos impõe desde que nascemos, nós, negras e negros não nos deixamos resistir. Aliás, desde sempre essa tem sido a nossa marca, ainda que a historiografia eurocêntrica tenha buscado negar, sistematicamente, nossa trajetória de resistência às opressões. Desde que nossas/nossos ancentrais foram forçosamente trazidos de África à escravidão no Ocidente, nosso cotidiano tem sido de luta, de resistência, seja atavés da prática religiosa, da fuga, da organização de quilombos, das revoltas organizadas, da compra da prórpria alforria e a de outras/outros, da participação em movimentos abolicionistas, entre tantos outros modos de resistir.
Conhecimento e resistência
Após a abolição, a luta continuou em várias frentes, inclusive através de movimentos altamente organizados, os quais foram vorazmente reprimidos pelo poder. Mas a resistência continuou firme. A União dos Homens de Cor (UHC), o Conselho Nacional das Mulheres Negras, a Frente Negra Trabalhista e o Teatro Experimental do Negro (TEN), que teve o jornal Quilombo como um dos seus desdobramentos, são apenas alguns exemplos. A imprensa Negra foi uma importantíssima frente de luta contra o racismo e a favor das causas do povo negro.
É dessa maneira que a comunidade negra resiste e produz conhecimento desde sempre, embora isso tenha sido sistematicamente negado pela sociedade racista, representada por um Estado estruturado em relações raciais hierarquizadas (seja na sua forma colonial, imperial ou republicana), porque uma das formas de construir e manter a hegemonia branca e eurocêntrica foi e continua sendo negar as qualidades, as capacidades do “outro racializado”.
Na atualidade, essa negação tem sido fortemente combatida, graças à conscientização gradativa que vem se delineando cada vez mais entre a população negra, alcançada devido à luta e resistência. E, nesse contecto, a literatura, seja acadêmica ou não, tem sido uma das frentes desse processo.
Cada vez mais (e muito menos do que se poderia caso não vivêssemos em um Estado estruturalmente racista) surgem autoras e autores negros, teóricas e teóricos negros cuja missão, por assim dizer, é lutar contra o racismo epistêmico – a negação, a rejeição das teorias, das reflexões, dos conhecimentos produzidos por negras e negros (e também outros grupos vulnerabilizados, como indígenas, por exemplo). Em tese, o racismo epistêmico nega a própria palavra desse “outro” racializado. E é no sentido de combater essa negação que quero deixar algumas sugestões de leituras/reflexões (acadêmicas e não acadêmicas) produzidas por pessoas negras, aproveitando o nosso Novembro Negro.
É importante salientar, no entanto, que ainda que o conceito de “literatura negra” tenha surgido no século XX, a produção literária feita por negras e negros acontece em nosso país desde o século XIX, com Maria Firmina dos Reis e Luiz Gama, por exemplo. Firmina é, inclusive, a primeira romancista negra da América Latina.
Sem mais delongas, seguem as indicações:
“Úrsula” (Maria Firmina dos Reis), “Quarto de despejo” (Carolina Maria de Jesus); Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis); “Uma história feita por mãos negras: relações raciais, quilombos e movimentos”, de Beatriz Nascimento (organizado por Alex Ratts); “Insubmissas lágrimas de mulheres” (Maria da Conceição Evaristo de Brito, conhecida como Conceição Evaristo); “Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos” (organizado por Flávia Rios e Márcia Lima); “Mulheres Negras e Marxismo” (organizado por Letícia Parks, Odete Assis e Carolina Cacau); “A revolução e o negro” (organizado por Marcello Pablito, Daniel lfonso e Letícia Parks); “Racismo estrutural” (Silvio Almeida); “Interseccionalide” (Karla Akotirene);
Essas obras servem, entre outras questões, para conhecermos as lutas antirracistas travadas pela comunidade negra, assim como para compreendermos as razões estruturais que mantêm o racismo e as formas de combatermos essa mazela tão destrutiva. Servem, ainda, para conhecermos a competência, a força da palavra, a coragem, a sensibilidade, a doçura e também a imaginação de um povo que, mesmo na dor do seu passado e presente opressores, produz conhecimento que liberta.
Boa leitura!