O acelerado processo global de digitalização está transformando, rapidamente, o “espaço operacional” dos cidadãos em todos os lugares. Enquanto as tecnologias digitais fornecem às pessoas novas formas de exercer suas liberdades de associação, de reunião e de expressão, criam, simultaneamente, formas de restringir tais direitos, o que suscita dúvidas a respeito de como os avanços tecnológicos afetarão a democracia e os direitos humanos no futuro. Hoje, mais do que nunca, precisamos defender uma forma de digitalização inclusiva, democrática e baseada nos direitos humanos, que irá empoderar e emancipar, ao invés de restringir e de reprimir as pessoas.

Por Deirdre de Burca & Bibbi Abruzzini, Forus International, uma rede global de organizações da sociedade civil

A Tech for Democracy, iniciativa dinamarquesa que promoveu uma conferência em 18 de novembro, procura proporcionar um espaço de discussão para que diversos atores possam analisar as expectativas e pretensões online pela democracia que ainda não foram completamente concretizadas. No entanto, uma pergunta continua sem resposta: como “decifrar o código”, ou qual é o potencial emancipatório da tecnologia em diferentes países ao redor do mundo?

Existe uma tensão geopolítica crescente ancorada no desenvolvimento tecnológico, e a balança oscila constantemente entre um possível futuro digital democrático e várias formas de autoritarismo digital. Para aqueles interessados em um modelo de digitalização que fortaleça a democracia e os direitos humanos, será necessário priorizar três áreas principais de atuação: transparência, acesso igualitário e uma abordagem à digitalização baseada nos direitos.

Primeiro, a transparência. O processo global contemporâneo de transformação digital é uma “megatendência” que influencia como as pessoas trabalham, se comunicam, são governadas e, em última instância, que molda as culturas que habitamos. Infelizmente, os cidadãos são, em geral, mantidos na ignorância e excluídos dos espaços de tomada de decisões onde o futuro da tecnologia é negociado. E, enquanto isso, as tecnologias digitais se proliferam rapidamente, dificultando o acompanhamento de suas mudanças e de suas implicações. O modelo de digitalização dependerá muito de qual tecnologia se tornará dominante, quem a controla, com quais objetivos e quem é consultado.

Qualquer esforço sério de promoção de um ambiente digital que respeite os direitos terá que se engajar mais diretamente com o papel do setor privado, visto que esse setor detém a propriedade de muitas tecnologias influentes e amplamente utilizadas. As “Big Tech” se tornaram importantes obstáculos para que as pessoas possam desfrutar dos seus direitos online; ainda assim, suas políticas e práticas vigentes não satisfazem as garantias necessárias de transparência e responsabilização.

O acesso digital representa um grande desafio. Praticamente a metade do mundo ainda não está conectada digitalmente. Nas palavras da ativista por justiça social das Ilhas Maurício, Tanya Lallmon, “temos que garantir que as tecnologias inovadoras não marginalizem ainda mais certos grupos”. Judit Lantai, diretora de políticas do European Youth Forum (Fórum da Juventude Europeia, em tradução livre), entende o problema do acesso digital como uma “faca de dois gumes”. A digitalização possibilitou que a juventude se organizasse em movimentos, como o Fridays For Future (Greve pelo Clima, no Brasil), e deu origem ao surgimento do ativismo nas redes sociais, o qual tem influenciado cada vez mais as políticas públicas. Entretanto, a onda de desinformação, de discurso de ódio, de polarização, e do acesso desigual que acompanha a digitalização indica que as pessoas estão cada vez mais vulneráveis à vigilância e à perseguição.

O assunto nos leva ao ponto principal, o dos direitos humanos. Atualmente, o verdadeiro desafio para os cidadãos, os ativistas, as organizações da sociedade civil e os governos progressistas está em aprender como o poder da tecnologia pode ser usado para fortalecer e reforçar os direitos humanos, e também em como as dimensões repressivas e desiguais da tecnologia podem ser previstas, identificadas e enfrentadas. Os impactos negativos da digitalização devem ser mitigados por meio da adaptação à era digital das estruturas políticas existentes sobre os direitos humanos.

A colaboração transversal entre os governos, o setor privado, o meio acadêmico e a sociedade civil será necessária para a criação de infraestruturas digitais e para o desenvolvimento de políticas apropriadas que fortaleçam os compromissos com os direitos humanos existentes. Caso contrário, a digitalização produzirá retornos sociais cada vez menores, enquanto a ampliação do consumo resultará no aumento da vigilância e na mineração de dados dos cidadãos. Nessa Matrix, existe uma luz no fim do túnel?

Os governos, a sociedade civil e as “Big Tech” devem reafirmar o seu compromisso com as convenções sobre direitos humanos na era digital, e devem, também, trabalhar juntos para implementar e monitorar os impactos das políticas digitais, do acesso à internet, e para garantir um uso digital progressista, voltado primeiramente aos direitos. As políticas de digitalização devem garantir um processo que esteja centrado nas pessoas e que promova o interesse público. Caso contrário, a falta de regulamentação adequada e de governança democrática da digitalização ao redor do globo enfraquecerá significativamente, ao invés de fortalecer, os espaços cívicos, o bem-estar humano, a liberdade, a dignidade e a justiça.


Traduzido do inglês por Edmundo Dantez / Revisado por Graça Pinheiro

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