Espanha, Tailândia, Alemanha, Japão, Holanda – o que se diz por aí é que qualquer governo pode comprar muito mais armamento sem que haja a necessidade de nenhum debate ou, quando ele existe, pode ser resumido em uma única palavra: Rússia. Faça uma pesquisa pela internet com o termo “compra de armas” e encontrará muitas histórias de cidadãos estadunidenses que resolveram seus problemas da mesma maneira que seu governo. Mas, se em sua busca, você utilizar as palavras secretas “gastos de defesa”, verá que as manchetes parecem uma comunidade global de nações unidas, cada uma fazendo sua parte para enriquecer seus “comerciantes da morte”.
A indústria bélica não liga pois suas ações dispararam. A exportações de armas dos EUA excedem as dos outros cinco países que mais as comercializam. Os sete primeiros países exportadores de armas são responsáveis por 84% das vendas, sendo que o segundo lugar nessa posição, que pelos últimos sete anos pertenceu à Rússia, foi assumido pela França em 2021. A única sobreposição no ranking de dois países importantes dentro do negócio de armas é entre a Ucrânia e a Rússia – duas nações impactadas por uma guerra já amplamente reconhecida como fora dos padrões, digna de uma cobertura midiática séria quanto às suas vítimas. Na maior parte dos anos, as nações em guerra não foram comercializadoras de armas. Mas enquanto alguns países têm guerras, outros lucram com elas.
Em muitos casos, quando as nações aumentam seus gastos militares, entende-se que seja para atender a um compromisso com o governo estadunidense. O primeiro-ministro do Japão, por exemplo, prometeu a Joe Biden que seu país gastaria muito mais. Outras vezes, trata-se de um compromisso com a Otan, discutido por governos compradores de armas. Na lógica dos EUA, o presidente Trump era anti-Otan, enquanto o presidente Biden é pró-Otan. Só que ambos promoveram uma agenda idêntica dos membros da organização: comprar mais armamentos. E os dois obtiveram sucesso, embora nenhum deles tenha chegado perto de impulsionar a Otan como faz a Rússia.
Contudo, fazer com que outros países dupliquem seus gastos militares é negociar somente uns trocados. Os grandes lucros vêm sempre do próprio governo estadunidense, o qual gasta mais que os seguintes dez países da lista juntos, sendo que oito deles são compradores de armas que os EUA pressionam a gastarem mais. Segundo os veículos de comunicação dos Estados Unidos… nada está acontecendo. Outros países estão aumentando os chamados “gastos de defesa”, mas absolutamente nada está acontecendo nos Estados Unidos, ainda que a Ucrânia tenha recebido aqueles poucos US$ 40 bilhões em “ajuda” recentemente.
Porém, no espaço publicitário destinado à indústria bélica da revista Politico, um outro grande estímulo aos gastos militares nos Estados Unidos está por vir, e o questionamento sobre aumentar ou diminuir o orçamento militar já foi predefinido: “Os democratas serão forçados a apoiar o projeto de Biden ou a despender mais bilhões em gastos militares, como no ano passado”. O plano de Biden está a favor de um outro grande aumento, ao menos em termos de dólares. O tópico favorito das “notícias” geradas por jornaizinhos financiados pelas armas e por ex-funcionários do Pentágono, além da mídia militar, é a inflação.
Assim sendo, analisemos os gastos militares dos EUA ao longo dos anos (há dados disponíveis desde 1949), ajustados para a inflação e utilizando a cotação do dólar de 2020 para cada ano. Nesses termos, o ápice foi atingido quando Barack Obama estava na Casa Branca. Porém, os orçamentos de anos recentes excederam e muito os de qualquer outro momento no passado, inclusive os da Era Reagan, da Guerra do Vietnã e da Guerra das Coreias. Voltar aos valores gastos no período precedente à interminável Guerra ao Terrorismo significaria um corte de cerca US$ 300 bilhões, ao invés do aumento comum de US$ 30 bilhões. Retornar aos valores daquele “momento áureo” da direita conservadora, em 1950, significaria uma redução nos gastos de aproximadamente US$ 600 bilhões.
As razões para a redução dos gastos militares incluem: o maior risco já visto de um apocalipse nuclear; danos ambientais imensos causados pelos arsenais; danos humanos horríveis causados pelos armamentos; crise econômica; uma necessidade urgente de cooperação global em prol da saúde e do bem-estar; e as promessas da plataforma partidária dos democratas em 2020.
Já as razões para ampliar os gastos militares incluem: campanhas eleitorais que são financiadas por comerciantes de material bélico.
Sendo assim, é claro que não há debate. Um debate que não pode acontecer é simplesmente dado como encerrado antes mesmo de seu início. Nesse aspecto, os veículos de comunicação concordam de maneira universal. A Casa Branca concorda. Todo o Congresso concorda. Nem uma única convenção de partido, nem um membro do Congresso se organiza para votar “Não” aos gastos militares, a não ser que eles sejam reduzidos. Até mesmo grupos pacifistas concordam. Eles, quase que de maneira unânime, denominam os gastos militares de “defesa”, apesar de não receberem nem um centavo por isso, e ainda divulgam declarações conjuntas contra os aumentos sem sequer mencionar a possibilidade de reduções nesses gastos. Afinal, esse assunto foi deixado fora da gama de opiniões aceitáveis.
Traduzido do inglês por André Zambolli / Revisado por Graça Pinheiro