Por Ana Catharina Oliveira¹
O podcast Deixe de Pantim surgiu na pandemia, como produção independente. Feito por quatro mulheres que moram e conhecem o semiárido nordestino brasileiro, esse produto está em circulação há pouco mais de 2 anos, e tem como principal objetivo unir entretenimento e informação, com abordagens que tratam de questões de gênero, raça, territorialidade, entre outras.
Esse podcast realizado por mulheres sertanejas tem como integrantes fixas Victória Resende, Júlia Vasconcelos, Flávia Santos e Maiara Borges, que vivem entre o eixo Petrolina (Pernambuco) e Juazeiro (Bahia), exceto Maiara, que atualmente vive na cidade de São Paulo. O nome Deixe de Pantim vem de uma expressão popular utilizada em algumas partes do Nordeste. A palavra “pantim” significa “frescura” ou “mania”, e, em alguns casos, pode ter o significado de “exagero”. Essa expressão se assemelha a uma frase que também é de cunho popular: “Fazer tempestade em um copo d’água”, bastante conhecida no Brasil.
O podcast é considerado um produto sonoro educativo, pois promove desde temas mais densos e com grande fundamentação teórica, até assuntos mais leves e descontraídos. Durante esse período, com o podcast Deixe de Pantim no ar, essas mulheres nordestinas têm explorado, com muito humor, questões de gênero, de raça, de território, de modo a colocar em discussão as relações humanas, a cultura pop e também o contexto político atual do Brasil e da região em que vivem. Vale destacar que Deixe de Pantim serve para ampliar a visão de quem ouve sobre o semiárido nordestino, já que inclui, principalmente, discussões que buscam desconstruir estigmas e estereótipos atribuídos ao território e às pessoas que nele vivem.
Por uma mudança no panorama
Fato relevante do podcast em questão é que, além da elaboração do conteúdo (precedida da seleção de temáticas, pesquisa e pauta, roteiro de gravação e a gravação em si de todo o material), a parte técnica é realizada também pelas integrantes mencionadas acima, o que se torna um produto muito relevante para se ouvir, já que no campo do audiovisual, ter mulheres que elaboram toda a cadeia produtiva é um grande desafio, devido às problemáticas sociais impostas para esses corpos. Segundo a Associação Brasileira de Podcasters, em levantamento feito em 2020, 75,7% da cadeia produtiva corresponde ao gênero masculino e apenas 23,3% desse grupo de podcasters é formado por mulheres. Outro dado relevante diz respeito ao Nordeste brasileiro, que, de acordo com essa mesma pesquisa, é a segunda região com maior número de produtores de podcast no Brasil, representando um percentual de 19,10%.
Além de prestigiar esse trabalho bem pensado e construído, produzido completamente por estudantes universitárias das áreas de jornalismo e audiovisual, tornar-se ouvinte do podcast Deixe de Pantim é contribuir com produtos não- hegemônicos e/ou não-padronizados e que têm muito a nos dizer sobre diversos assuntos. E que, neste caso em especial, enfatiza o cenário riquíssimo do semiárido nordestino nacional.
O podcast Deixe de Pantim começa com um episódio piloto, que narra a apresentação das integrantes e também do projeto em si, de uma maneira bem descontraída e leve. Os outros episódios seguem uma linha atrativa, não apenas pelo título, mas também pela abordagem, pela narração e pela linguagem, pois elas contam sobre suas vivências, o que as aproxima do(a) receptor(a). A identidade visual e também a construção da composição sonora são bastante interessantes.
Conversando com a integrante Flávia Santos, via WhatsApp, ela salientou o episódio “Meu corpo é uma festa”, que aborda sobre as inseguranças das mulheres com o seu corpo, ou seja, de como a indústria cria essas insatisfações para que se tenha um público consumidor expressivo. Nesse episódio, as integrantes do podcast falam sobre seus corpos e trazem reflexões sobre a gordofobia, e de como o Brasil é considerado o país com maior número de cirurgias plásticas. A discussão sobre o assunto tem como base o livro “O mito da Beleza”, de Naomi Wolf. Além disso, o episódio aborda sobre o estereótipo da “mulata”, trazendo como referência o Ted “A mulata que nunca chegou”, apresentado pela cientista social e youtuber brasileira Nátaly Neri, onde relata a sua vivência como mulher negra que não contempla a hipersexualização do machismo e racismo, por não ser “a mulata do corpão”.
Com o sucesso dos podcasts nos últimos anos, é de suma importância indicar e divulgar produções que não estão na grande mídia, a fim de possibilitar que produtos com poucos recursos financeiros, mas que contenham muita qualidade e, sobretudo, comprometimento com a informação e com a educação, cheguem para os diversos públicos.
¹ Ana Catharina Oliveira é estudante de Comunicação Social da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).