É imprescindível saber a diferença entre jornalismo e propaganda.

A forma como a informação tem se transformado em um braço estratégico do poder econômico global tem evoluído até fazer parte da paisagem. O que em uma época foi um exercício de risco, de confronto e uma ferramenta útil para a sociedade, hoje parece estar do lado oposto, ao manipular e ocultar verdades que, se fossem de domínio público, seriam capazes de colocar de cabeça para baixo os mais poderosos. É impressionante, no entanto, o cinismo com que se apresentam e o desprezo das grandes redes de notícias diante das tragédias humanitárias que assolam o planeta, e como seus conteúdos são aceitos como verdades absolutas.

Fazer um espetáculo com a desgraça alheia é, ao que parece, uma tática capaz de trazer vantagens em termos de audiência e, por conseguinte, um aumento substancial na publicidade. O que Kapuscinski, o grande repórter polonês, considerava a norma fundamental no exercício jornalístico: “Buscar a verdade entre a gente comum, se esquecer dos altos círculos de poder quando é preciso encontrar respostas. Descrever os detalhes, porque às vezes neles se encontra a chave de tudo. Fugir da vaidade e do excesso de ego como de uma praga, porque aí se começa a perder a objetividade e o sentido das coisas. E viajar sozinho, para que a visão de outra pessoa não distorça a percepção pura e direta do repórter”, hoje se considera uma desvantagem competitiva.

Kapuscinski viajou pelo mundo e não como um turista, em hotéis de alto padrão. Ele andou pelas ruas quase esquecidas de onde a miséria humana é latente. E nos falou de suas descobertas com ênfase – incondicionalmente – na proximidade com os seres mais humildes, as pessoas mais necessitadas. Suas profundas análises poderiam compor todo o conteúdo de um doutorado em ética e seus ensinamentos seriam capazes de reverter o próprio significado de uma profissão que, de honrada, se tornou em alguns casos a ser o equivalente midiático de um assassinato contratado.

Como forte opositor de todo o tipo de conflito armado – em sua carreira viu muitos e, sobretudo, seus efeitos – este jornalista premiado com o prêmio Príncipe de Astúrias afirmou certa vez que ” a primeira vítima da guerra é a verdade”. Ao observar o panorama atual e colocando cada coisa em seu lugar, é importante notar que a exibição avassaladora de espetáculos bélicos e sua retórica desumanizante, refletem a tendência de um jornalismo desenhado para e pela hegemonia dos países mais poderosos, garantindo assim a submissão e o debilidade progressiva das nações consideradas “dependentes”.

Os verdadeiros profissionais do jornalismo, que vêem reduzir seu campo por pressões de poderes, influência das grandes corporações, chantagens e ameaças de empresários e políticos, e sobretudo, jurídicos estreitamente vinculados a organizações criminais e exércitos corruptos, são perseguidos. As incessantes pressões para calar a verdade e ocultar crimes de Estado não são coisas unicamente de países de terceiro mundo; vemos isso nas grandes redes internacionais, aceitando decisões espúrias de grandes potências e convertendo suas agressões em um exemplo de virtudes democráticas. O jornalismo, hoje, cruza a maior crise de credibilidade em toda a sua história.

Kapuscinski exerceu um modelo de jornalismo que hoje se encontra em vias de extinção.


Tradução do espanhol de Aline Arana